Creio que é a melhor palavra que tenho para caracterizar a entrevista que Alberto João Jardim concedeu na passada segunda, no novo programa de Mário Crespo.
E digo isto, face às honras publicitárias prévias que o programa teve.
Olhando ao referido, de repente assistia-se à elevação de Mário Crespo - curiosamente alguém que ultimamente ora é conotado com o partido do poder [vide crónica de sábado do jornal Público do crítico Eduardo Cintra Torres], ora é conotado com o partido social democrata [já foi convidado para sessões da universidade da JSD, como vi escrito em muitos blogues] - a um patamar semelhante à escala portuguesa de um
Larry King ou de um
Dan Rather no seu "
60 Minutes"!
Tinha para comigo, que Crespo era um jornalista que se preparava bem para este tipo de entrevista e olhando que do outro lado estaria o meu conterrâneo Alberto João Jardim (AJJ), resolvi ver o dito programa.
Há que referir que a escolha não é inocente. AJJ, além de por vezes ser politicamente incorrecto e não ter decoro em dizer o que lhe vai na alma, tinha recentemente dado um prazo de clarificação a Manuela Ferreira Leite, a impopular - olhando às mais recentes sondagens - líder dos sociais democratas, deixando a percepção entrelinhas que uma possível candidatura à liderança nacional poderia ser possível. Considerando-se a actual situação do maior partido da oposição a nível nacional e tendo em conta que com este entrevistado, as declarações bombásticas poderiam aparecer do nada, nada melhor que este entrevistado como chamariz de audiências, podendo ainda Crespo vir a demonstrar que a fama que recaía sobre si não era descabida.
Nada mais falso. Creio que a grande supresa desta entrevista, foi o carácter quase amador com que o jornalista preparou a mesma. Bem sei que o ênfase dado à mesma incidia sobre a questão da liderança nacional do PSD - e a necessidade de conseguir uma disponibilidade de AJJ para a mesma, mas reduzir toda uma entrevista a este tema, passando depois para aquestão da revisão constitucional, passando por cima de quase toda a temática regional - à excepção da Lei das Finanças Regionais, denota uma falta de preparação de bradar aos céus.
Depois, sabendo-se que todo o entrevistado gosta de ter um certo controlo sobre a entrevista e o rumo que a mesma está a ter, Crespo ingenuamente deixou-se guiar, esgotada a temática acerca da liderança do PSD nacional, por AJJ de uma forma que transformou o programa num palanque autêntico, não dispondo de armas - por aparente falta de preparação - para efectuar perguntas interessantes que obrigassem AJJ a ter que rebater.
Não se pense que AJJ saiu bem na foto. Mesmo sabendo que no rectângulo, não dispõe do capital de apoio que tem na ilha - muito longe disso, enfim consequência de guerrilhas passadas - AJJ tinha aqui uma oportunidade para se "imacular" transmitindo assim uma imagem de opção credível para o resto do país.
Bem sei que o "timming" político não é considerado o melhor e neste momento, a liderança do PSD não deverá ser um dos cargos partidários mais apetecidos do país, mas o facto de deixar vincado que apenas avança sem oposição, apenas ajuda a consolidar a imagem de homem autoritário, que no rectângulo têm de si. Isto para não falar, nas forças de bloqueio que no interior do partido, o têm impedido de avançar (!?!) - enfim o habitual inimigo invisível.
Os portugueses por norma, devido à baixa confiança da sua sociedade, gostam de lideranças fortes com o seu q.b. de determinação - vide o elogio dado a Sócrates no início do seu mandato. No entanto, os 48 anos de ditadura ainda estão frescos na memória e a veiculação e insistência apenas nesse aspecto - a roçar o autoritarismo - ainda para mais com todo o historial de dislates de AJJ, nada de positivo traz.
Digo isto, porque AJJ demonstrou nesta entrevista, ser uma pessoa avessa à diversidade e à discussão ideológica dentro do partido - esquecendo-se que nada é imutável e que a adaptação a novos paradigmas é imperativa - não considerando avançar contra mais candidatos. Ou seja, esperando que haja consenso à sua volta e que a eleição seja apenas uma mera formalidade.
Politicamente, o PSD, partido com uma imensa vocação de poder, atravessa uma enorme crise, e isto em parte porque o PS ocupou parte do seu espaço natural ao centro. Aceito que provavelmente uma liderança forte, seria necessária para voltar a unir o partido - que para além de reunir diferentes sensibilidades, umas em contradição com outras como AJJ bem indicou, carece de uma certa fundamentação e adequação ideológica, ao contrário do que acontece com o PS.
No entanto, esta união, nunca pode acontecer assim, num quadro de mera aclamação. Terá imperativamente de haver uma clarificação ideológica do que é este PSD e para tal terá que haver debate e discussão, o que pode não se coadunar com os calendários eleitorais vizinhos, nem com os interesses pessoais de muitas facções no partido - entre as quais o PSD-M.
Outro facto que ressalvou desta entrevista, foi a (demais conhecida) veia populista de AJJ. Nem falo pela postura de apelar directamente portugueses, falando com desdém da restante classe política, estabelecendo assim uma ligação de simpatia - explorando um sentimento comum ao português médio.
Falo da sua insistência na mudança, por referendo, de regras contidas na Lei Geral do país. Diz que não entende o porquê de estas não serem passíveis de mudança. Creio que não é necessário explicar a diferença entre a democracia representativa e a directa -
Benjamin Constant no início do séc. XIX faz uma excelente analogia entre " A Liberdade dos Antigos comparada com a dos Modernos". Nem explicar o fim trágico que a República de Weimar teve e o autêntico plebiscito que levou Hitler ao poder. Ou demonstrar como o argumento da Lei das Finanças Regionais e o apelo ao voto de protesto contra Lisboa, inquinou e afastou qualquer tentativa de discussão de programa de governo (desconheci se o PSD-M apresentou algum), afinal o que estava em jogo nas regionais de 2007.
A maneira como passou por cima da questão do endividamento das Sociedades de Desenvolvimento, dizendo-se adepto de uma escola orçamentista que preconiza o investimento criando condições para o retorno, sem que Crespo fizesse alguma contraposição indicando os flops por demais conhecidos, foi a meu ver caricato. Ou o desconhecimento do nome Passos Coelho.
No fundo, a aparente sentimento de atrapalhação que Crespo muitas vezes demonstrou aliado à sua falta de preparação - e nisso creio que os madeirenses tiveram muito mais noção disso que os restantes portugueses, dado que a entrevista teve um enfoque muito nacional - acaba por condicionar muito esta entrevista.
Ainda que AJJ apontasse algumas falhas que até eu e muitos que não sendo necessariamente da sua área política, apontam - a excessiva dependência dos partidos (
a questão da partidocracia), a necessidade de renovação de quadros, a necessidade de redefinição ideológica do maior partido da oposição (e um dos dois partidos de poder em Portugal) com a constituição de uma verdadeira alternativa diferente, não considerei que esta entrevista trouxesse nada de novo.
Para Crespo esta foi uma saída em falso e terá que corrigir muitos aspectos para a próxima. Calculo que aos olhos da opinião pública nacional, a sua prestação não tenha sido assim tão má, mas conhecendo-se a realidade madeirense, mesmo descontando que o ênfase da entrevista teria que ser nacional, não se pode reduzir a preparação a um ou dois aspectos, descurando muitos outros - que para azar do entrevistador, pelo decorrer da entrevista, até faziam sentido ser muito mais explorados.
Para AJJ, para além de ter deixado vincado que não é alternativa sem largo apoio, ter deixado vincado que a participação e debate não são primordiais em relação ao "ganhar eleições" - nem que para isso se sacrifique um dos pilares da cultura democrática, ter eleito Sócrates como inimigo público nº1 - numa obsessão que daria azo a um outro longo "post", acaba por repetir os mesmos argumentos já algo gastos que tem vindo sempre a proferir. Prova foi que o único facto novo que poderia ter algum impacto - a afirmação de que estaria disponível para líder nacional do PSD, porventura o "leitmotiv" de toda a entrevista - ao não ser proferido e sendo inclusivé negado, fez com que a repercussão da mesma nos meios nacionais fosse meramente residual.
Sabendo que o discurso habitual já não "cola" e quando todas estas incidências se conjugam, face à expectativa criada, creio que fica justificada a minha escolha de título, ao fim ao cabo o sentimento que prevaleceu no fim, face às prévias expectativas criadas pelo programa.