2012-06-29

football strings



"(...) O futebol é tão belo enquanto espectáculo sensitivo como na qualidade de representação e divagação. Gosto do futebol como jogo, paixão, estratégia, coreografia e vida. Está lá quase tudo. Não foi, por acaso que Albert Camus, esse filósofo com um lado solar, afirmou um dia: "Tudo o que sei sobre a moral devo-o ao futebol." Frase lapidar e extraordinária. Como uma outra que passo a citar: "Aprendi que a bola nunca vem até nós por onde a esperamos. Isso ajudou-me durante a vida, sobretudo nas grandes cidades onde as pessoas não costumam ser propriamente rectas." Vai ainda mais longe afirmando que "com o futebol aprendeu a ganhar sem se sentir um deus e a perder sem se sentir um lixo". Ele era guarda redes na equipa da Universidade de Argel, onde então estudava. A sua opção no campo tinha uma razão de ser: pobre, quase miserável, a sua avó inspeccionava-lhe todos os dias o estado dos sapatos, pelo que ele teve que optar pela posição em que estes menos se desgastavam. Camus, um dos grandes pensadores da liberdade, foi afinal de contas guarda-redes por razões de necessidade. Isso não o impediu de encontrar no futebol os princípios morais que fundariam a sua filosofia moral. (...)"

Francisco Assis in Público 28-06-2012 (edição de papel)

FC St. Pauli Fans gegen Rechts.





Excelente vídeo. Excelente escolha musical. 
O segundo equipamento dos Piratas.

2012-06-27

Lonesome George



Lonesome George morreu.

Aquele que era considerado o ser mais raro do mundo morreu.

Lonesome George, uma tartaruga gigante das Galápagos, o último sobrevivente da subespécie "chelonoidis nigra abingdonii" morreu.
Ainda jovem. Com a redonda idade de 100 anos. De enfarte cardíaco. Na flor da idade, dizem os biólogos.

Pior do que isso, "Jorge Solitário" - o persona de engate que metodicamente tinha criado (dizem que as miúdas não resistem a um bom sotaque espanhol...) - morreu sozinho. Pobre Jorge.

Vindo dum sítio com Pinta, da ilha com o mesmo nome situada no arquipélago das Galápagos, muitos esforços tinham sido feitos para Jorge juntar os trapinhos. Desde há décadas que tudo e mais alguma coisa era feito. Suponho que no início com saídas a 4 com algum casal amigo. Numa fase muito mais avançada, imagino que recorrendo a agências de encontros. Ou pior, em desespero, já nos últimos anos, investigadores que se diziam amigos, oferecendo 10.000$ a quem encontrasse uma parceira compatível. Ao nível que estes supostos amigos chegaram. A oferecer dinheiro? O Jorge não precisava destas ajudas. Considerava-se viril o suficiente. Tanta pressão no rapaz... Como se não tivessem confiança no Jorge.

Houvesse ao menos algum Santo António que naturalmente valesse a George.

Esta mudança de nome não é em vão. A verdade é que Jorge na maioria das vezes era simplesmente George. O fleumático e muito british George. Muito distante. Muito senhor de si. Frio. De coração de pedra. Sem querer se imiscuir com a dita plebe.
Pese no seu íntimo, desejasse ter o "salero" de um Jorge. Ser um galã como um Jorge. Confiante. Seguro. Quente. Uma espécie de Lucky Luck do amor. Disparando e partindo corações com o seu seis balas.

Mas não. O pobre do George recusou sempre as parceiras que lhe impuseram. Suponho que por princípio. Então tem um homem um esquema já preparado e estão sempre a lhe chatear com parceiras impostas?

Não admira que o rapaz andasse sobre forte pressão e não conseguisse "manejar o pacote" - entenda-se conseguir que alguma Rosarito ou alguma Guadalupe chocasse os ovos.

Em 2008 e após muito custo lá aceitou sair com a primeira. Não era das suas, dizia com laivos de alguma xenofobia. Não o fazia por mal. Ele no fundo era bom rapaz e convém ter em conta que os silogismos de Darwin, são um quase-dogma que nunca é questionado.
No entanto e ainda que fazendo um grande frete, conseguiu gerar 13 ovos, número que talvez prevendo o insucesso e má vontade de tal cruzamento, acabou por redundar em nenhum ovo viável.

Bola. Nada. Niente.

E com Guadalupe, uma morena com carapaça violão, uma latina bem quente que já achava bem mais aprazível, novo falhanço numa segunda tentativa. 5 Disparos. Todos com pólvora seca.

Alerta, alerta! O sinal vermelho de alarme soou então na cabeça do até aí impassível George.

Agora já não era tanto uma questão de querer ou não querer. Parecia que não conseguia. E para ele passara a ser uma questão de honra. Via-se realmente sozinho.
Ansioso e porventura pressionado, George volta-se para escapes fácil. Como um Dalton, passando por zonas bem pardas. Ou melhor, mesmo escuras.
Álcool, muito álcool. Jogo, estoirando balúrdios em corridas de cavalos marinhos. E para compor o ramalhete, muitos psicotrópicos e estimulantes, que não pelo contrário não lhe melhoraram a situação, acabando por o arrastar para uma espiral ainda mais depressiva. Que em última instância acabou por fazer ceder seu frágil coração.

No entanto, creio que esta não será a forma como George gostará de ser recordado. Creio que gostaria de passar à posteridade, visto não como um Dalton, mas sim como um Lucky Luck. Um Jorge Luck. Alguém que desaparece no horizonte, sozinho é certo, mas fiel aos seus princípios. Mesmo com todos os defeitos, com a consciência que sempre viveu de acordo com o que achava justo. Levando consigo toda a honra de uma subespécie. 


"(...)I'm a poor lonesome cowboy
But it doesn't bother me
'Cause this poor lonesome cowboy
Prefers a horse for company
Got nothing against women
But I wave them all goodbye
My horse and me keep riding
We don't like being tied(...)"

 







2012-06-21

22 de Junho.

"Sim, uma final, porque nós, por tudo o que representava, estávamos a jogar uma final contra a Inglaterra. Porque era ganhar ganhar sobretudo a um país, não a uma equipa de futebol. Embora disséssemos, antes do jogo, que o futebol não tinha nada a ver com a Guerra das Malvinas, sabíamos que ali tinham matado muitos jovens argentinos, tinham-nos matado como pardais... E isto era uma desforra, era...recuperar alguma coisa das Malvinas. Todos dizíamos, nas entrevistas, que não tínhamos de misturar as coisas, mas era mentira, mentira! Não fazíamos mais nada senão pensar nisso, o caraças é que era mais um jogo!
Era mais do que ganhar um jogo, era mais do que deixar os ingleses fora do Mundial. nós culpávamos os jogadores ingleses pelo sucedido, por tudo o que o povo argentino tinha sofrido. Eu sei que parece uma loucura, um disparate, mas isso era o que sinceramente sentíamos. Era mais forte que nós. Estávamos a defender a nossa bandeira, os jovens mortos, os sobreviventes... É por isso que julgo que o meu golo teve tanta transcendência. Na verdade tiveram os dois; os dois tiveram um sabor especial."

Diego Armando Maradona, Eu Sou El Diego (p.135)


22 de Junho de 1986. Estádio Azteca na Cidade do México. Quartos de final do Mundial'86. Um escaldante Argentina - Inglaterra, quatro anos após a guerra das Malvinas. Ou chamar-se-ão Falkland? Não interessa.

O que interessa reter é que pese todos os intervenientes o negassem, aquela partida tinha uma carga simbólica que ia muito mais além do que um simples jogo de futebol.
Quatro anos antes, e norteadas pela necessidade de consolidação dos respectivos regimes políticos - o interesse estratégico das ilhas era quase nulo - os dois países tinham-se envolvido na disputa de um conjunto de ilhas rochosas e semidesérticas situadas a menos de 500 km da costa argentina, em pleno Atlântico Sul, num conflito que durou cerca de 74 dias e provocou 907 baixas, das quais 649 foram do lado argentino e 258 do lado inglês.

O conflito decorreu envolto num alto clima de exaltação nacionalista em ambos os lados. A junta militar argentina basicamente usou o conflito para legitimar o seu poder, e o partido conservador de Margareth Thatcher no auge da sua ânsia reformadora liberal que tantas forças resistentes estava a encontrar, encontrou neste conflito uma escapatória para consolidar a sua liderança por longo tempo, algo que a (previsível) vitória permitiu.
Ainda que a derrota tenha precipitado o início da queda da junta militar que governava de forma opressiva a Argentina há já algum tempo a essa parte, o facto é que a humilhação que a derrota provocou no forte ego argentino, foi algo que nunca foi verdadeiramente esquecido.

Naquela tarde, naquele relvado, tratava-se muito mais que um jogo de futebol. Aliás, desconfio mesmo que para a maioria dos argentinos, ganhar à Inglaterra naquela tarde seria bem mais importante que conquistar o título de campeões do mundo. Algo que mais tarde, Maradona e muitos outros viriam a confirmar. É verdade que o jogo é recordado pela mão de Deus. E pelo 2º golo - o melhor do século - que o Deus Maradona marcou. Essas efemérides são mais que conhecidas. O que não é muito tido em conta, é que ali estava em jogo muito mais que um campeonato ou quaisquer honrarias. Estava em causa sim, a honra e o orgulho ferido de um país que se sentia injustiçado.


"Não podemos comparar futebol com política. É uma má ideia misturá-los. É apenas um jogo. Vamos jogar e desfrutar, mais nada (...)


(...)Somos 23 jogadores, mais a equipa técnica e o resto do staff, mas não jogamos só por nós. Jogamos por todo um país, por 11 milhões de pessoas que na Grécia estão à espera de um sorriso, por alguma boa razão para sair à rua e celebrar. Creio que o conseguimos contra a Rússia e ficamos mesmo contentes."

Giorgos Samaras, conferência de imprensa diária da selecção grega (19-06-2012)

22 de Junho de 2012. Arena de Gdansk, na cidade polaca do mesmo nome. Banhada pelo Báltico. Uma das cidades da chamada Liga Hanseática, aberta por natureza, por influência da sua grande tradição comercial. Cidade que transitou por vários impérios, preservando sempre a sua independência e esse livre espírito. Uma cidade que fiel às suas tradições, foi berço do sindicato solidariedade de Lech Walesa, o movimento que provocou o início da derrocada e progressiva abertura do regime comunista na Polónia assim como outros regimes no até então chamado bloco de leste.
Uma cidade que nos últimos 200 anos esteve baloiçar entre o domínio polaco e o domínio alemão/prussiano. A cidade direi ideal, para receber o previsivelmente escaldante Grécia - Alemanha destes quartos de final do Euro'2012.
Olhando ao contexto político-económico que actualmente se vive na Europa, é impossível ficar indiferente a este confronto e não extravasar o mesmo para fora das quatro linhas. Os devedores contra os credores. Os media gregos já designam a partida pela "A mãe de todas as batalhas".
O norte rico contra o sul pobre.
Numa altura em que que todos os olhares estão na delicada situação grega, a austeridade "über älles" defendida pela chanceler e apoiada pela maioria da opinião pública alemã, assim como declarações (estapafúrdias) como as de políticos e altos dirigentes alemães que defenderam ideias como a Grécia ter que abdicar da sua soberania em certas matérias ou mesmo vender território (ilhas) para pagamento de empréstimos contraídos, criaram um clima de forte contestação e muitos anticorpos anti-alemães no povo grego.
Por outro lado, o comum contribuinte alemão sente-se farto daquilo que considera ser um festim desregulado, a maneira como certos países não têm controlado os seus défices orçamentais.

Ainda assim, para os Gregos, a partida será sempre bem mais que um jogo. O povo grego procurará que uma vitória sirva de alguma espécie de vingança. Um ligeiro lamber de feridas, mesmo que por uma noite, mesmo que passageiro, sobre a terrível sensação de humilhação nacional a que julgam estar a ser submetidos. Arrisco que ganhando à Alemanha, a maioria do povo grego achará secundária a eventual conquista de um hipotético (2º) campeonato da Europa.

Não deixa de ser engraçada a feliz coincidência das datas.
26 Anos depois, este também não será com certeza mais um mero jogo duns quartos de final de uma grande competição.

Claro que o desnível de forças em termos futebolísticos é considerável - bem mais que o existente na altura entre a Inglaterra de Lineker e Shilton e a Argentina de Maradona e Valdano. Esta Alemanha é clara candidata ao título. A Grécia nem ao perto lá chega - se bem que há 8 anos provou que nada é impossível.
A Mannschaft é equipa que gosta de dominar e explanar o jogo. Pelo contrário, esta é uma Grécia em transmutação. Não será a Grécia na retranca de 2004, mas não deixa de ser a equipa que menos remates fez na competição até este momento (19). Menos que Cristiano Ronaldo (21). Nem Karagounis, a ainda grande figura da equipa - nem jogará - é Maradona.

No entanto, tenho a certeza que será mais que um jogo. Assim como no seu íntimo, pese as palavras de Samaras, os jogadores estarão a interiorizar toda esta involvência. Do lado grego, 11 milhões de pessoas assim o exigem.

Racionalmente e em condições normais, a Alemanha ganhará o jogo. Aliás, traçando um paralelismo, até a via política pró-troika acabou por levar a sua avante nas recentes eleições gregas.
Mas a capacidade de superação e abnegação nestes momentos, podem fazer a diferença. Há 26 anos atrás, isso foi bem visível. E neste caso, até já temos um belo exercício de futurologia feito pelo pelos Monty Python, onde a escola grega acaba no fim por se sobrepor ao racionalismo e ética alemãs.


No futebol, como em outros campos da vida, temos sempre a tendência de torcer pelo mais fraco. E o "beautiful game" é precisamente belo, porque em campo são onze contra onze. Ainda que Lineker tenha acrescentado "que no fim ganha a Alemanha". 

Veremos sábado.