2009-01-16

Embuste

Creio que é a melhor palavra que tenho para caracterizar a entrevista que Alberto João Jardim concedeu na passada segunda, no novo programa de Mário Crespo.
E digo isto, face às honras publicitárias prévias que o programa teve.
Olhando ao referido, de repente assistia-se à elevação de Mário Crespo - curiosamente alguém que ultimamente ora é conotado com o partido do poder [vide crónica de sábado do jornal Público do crítico Eduardo Cintra Torres], ora é conotado com o partido social democrata [já foi convidado para sessões da universidade da JSD, como vi escrito em muitos blogues] - a um patamar semelhante à escala portuguesa de um Larry King ou de um Dan Rather no seu "60 Minutes"!

Tinha para comigo, que Crespo era um jornalista que se preparava bem para este tipo de entrevista e olhando que do outro lado estaria o meu conterrâneo Alberto João Jardim (AJJ), resolvi ver o dito programa.

Há que referir que a escolha não é inocente. AJJ, além de por vezes ser politicamente incorrecto e não ter decoro em dizer o que lhe vai na alma, tinha recentemente dado um prazo de clarificação a Manuela Ferreira Leite, a impopular - olhando às mais recentes sondagens - líder dos sociais democratas, deixando a percepção entrelinhas que uma possível candidatura à liderança nacional poderia ser possível. Considerando-se a actual situação do maior partido da oposição a nível nacional e tendo em conta que com este entrevistado, as declarações bombásticas poderiam aparecer do nada, nada melhor que este entrevistado como chamariz de audiências, podendo ainda Crespo vir a demonstrar que a fama que recaía sobre si não era descabida.

Nada mais falso. Creio que a grande supresa desta entrevista, foi o carácter quase amador com que o jornalista preparou a mesma. Bem sei que o ênfase dado à mesma incidia sobre a questão da liderança nacional do PSD - e a necessidade de conseguir uma disponibilidade de AJJ para a mesma, mas reduzir toda uma entrevista a este tema, passando depois para aquestão da revisão constitucional, passando por cima de quase toda a temática regional - à excepção da Lei das Finanças Regionais, denota uma falta de preparação de bradar aos céus.

Depois, sabendo-se que todo o entrevistado gosta de ter um certo controlo sobre a entrevista e o rumo que a mesma está a ter, Crespo ingenuamente deixou-se guiar, esgotada a temática acerca da liderança do PSD nacional, por AJJ de uma forma que transformou o programa num palanque autêntico, não dispondo de armas - por aparente falta de preparação - para efectuar perguntas interessantes que obrigassem AJJ a ter que rebater.

Não se pense que AJJ saiu bem na foto. Mesmo sabendo que no rectângulo, não dispõe do capital de apoio que tem na ilha - muito longe disso, enfim consequência de guerrilhas passadas - AJJ tinha aqui uma oportunidade para se "imacular" transmitindo assim uma imagem de opção credível para o resto do país.

Bem sei que o "timming" político não é considerado o melhor e neste momento, a liderança do PSD não deverá ser um dos cargos partidários mais apetecidos do país, mas o facto de deixar vincado que apenas avança sem oposição, apenas ajuda a consolidar a imagem de homem autoritário, que no rectângulo têm de si. Isto para não falar, nas forças de bloqueio que no interior do partido, o têm impedido de avançar (!?!) - enfim o habitual inimigo invisível.

Os portugueses por norma, devido à baixa confiança da sua sociedade, gostam de lideranças fortes com o seu q.b. de determinação - vide o elogio dado a Sócrates no início do seu mandato. No entanto, os 48 anos de ditadura ainda estão frescos na memória e a veiculação e insistência apenas nesse aspecto - a roçar o autoritarismo - ainda para mais com todo o historial de dislates de AJJ, nada de positivo traz.

Digo isto, porque AJJ demonstrou nesta entrevista, ser uma pessoa avessa à diversidade e à discussão ideológica dentro do partido - esquecendo-se que nada é imutável e que a adaptação a novos paradigmas é imperativa - não considerando avançar contra mais candidatos. Ou seja, esperando que haja consenso à sua volta e que a eleição seja apenas uma mera formalidade.

Politicamente, o PSD, partido com uma imensa vocação de poder, atravessa uma enorme crise, e isto em parte porque o PS ocupou parte do seu espaço natural ao centro. Aceito que provavelmente uma liderança forte, seria necessária para voltar a unir o partido - que para além de reunir diferentes sensibilidades, umas em contradição com outras como AJJ bem indicou, carece de uma certa fundamentação e adequação ideológica, ao contrário do que acontece com o PS.

No entanto, esta união, nunca pode acontecer assim, num quadro de mera aclamação. Terá imperativamente de haver uma clarificação ideológica do que é este PSD e para tal terá que haver debate e discussão, o que pode não se coadunar com os calendários eleitorais vizinhos, nem com os interesses pessoais de muitas facções no partido - entre as quais o PSD-M.

Outro facto que ressalvou desta entrevista, foi a (demais conhecida) veia populista de AJJ. Nem falo pela postura de apelar directamente portugueses, falando com desdém da restante classe política, estabelecendo assim uma ligação de simpatia - explorando um sentimento comum ao português médio.
Falo da sua insistência na mudança, por referendo, de regras contidas na Lei Geral do país. Diz que não entende o porquê de estas não serem passíveis de mudança. Creio que não é necessário explicar a diferença entre a democracia representativa e a directa - Benjamin Constant no início do séc. XIX faz uma excelente analogia entre " A Liberdade dos Antigos comparada com a dos Modernos". Nem explicar o fim trágico que a República de Weimar teve e o autêntico plebiscito que levou Hitler ao poder. Ou demonstrar como o argumento da Lei das Finanças Regionais e o apelo ao voto de protesto contra Lisboa, inquinou e afastou qualquer tentativa de discussão de programa de governo (desconheci se o PSD-M apresentou algum), afinal o que estava em jogo nas regionais de 2007.

A maneira como passou por cima da questão do endividamento das Sociedades de Desenvolvimento, dizendo-se adepto de uma escola orçamentista que preconiza o investimento criando condições para o retorno, sem que Crespo fizesse alguma contraposição indicando os flops por demais conhecidos, foi a meu ver caricato. Ou o desconhecimento do nome Passos Coelho.

No fundo, a aparente sentimento de atrapalhação que Crespo muitas vezes demonstrou aliado à sua falta de preparação - e nisso creio que os madeirenses tiveram muito mais noção disso que os restantes portugueses, dado que a entrevista teve um enfoque muito nacional - acaba por condicionar muito esta entrevista.

Ainda que AJJ apontasse algumas falhas que até eu e muitos que não sendo necessariamente da sua área política, apontam - a excessiva dependência dos partidos (a questão da partidocracia), a necessidade de renovação de quadros, a necessidade de redefinição ideológica do maior partido da oposição (e um dos dois partidos de poder em Portugal) com a constituição de uma verdadeira alternativa diferente, não considerei que esta entrevista trouxesse nada de novo.

Para Crespo esta foi uma saída em falso e terá que corrigir muitos aspectos para a próxima. Calculo que aos olhos da opinião pública nacional, a sua prestação não tenha sido assim tão má, mas conhecendo-se a realidade madeirense, mesmo descontando que o ênfase da entrevista teria que ser nacional, não se pode reduzir a preparação a um ou dois aspectos, descurando muitos outros - que para azar do entrevistador, pelo decorrer da entrevista, até faziam sentido ser muito mais explorados.

Para AJJ, para além de ter deixado vincado que não é alternativa sem largo apoio, ter deixado vincado que a participação e debate não são primordiais em relação ao "ganhar eleições" - nem que para isso se sacrifique um dos pilares da cultura democrática, ter eleito Sócrates como inimigo público nº1 - numa obsessão que daria azo a um outro longo "post", acaba por repetir os mesmos argumentos já algo gastos que tem vindo sempre a proferir. Prova foi que o único facto novo que poderia ter algum impacto - a afirmação de que estaria disponível para líder nacional do PSD, porventura o "leitmotiv" de toda a entrevista - ao não ser proferido e sendo inclusivé negado, fez com que a repercussão da mesma nos meios nacionais fosse meramente residual.

Sabendo que o discurso habitual já não "cola" e quando todas estas incidências se conjugam, face à expectativa criada, creio que fica justificada a minha escolha de título, ao fim ao cabo o sentimento que prevaleceu no fim, face às prévias expectativas criadas pelo programa.

1 comentário:

amsf disse...

Para alguns mais do que embuste terá uma desilusão. O Mário Crespo nos últimos anos vinha crescendo na minha consideração depois de lhe ter um ódio de estimação quando ele era correspondente na África do Sul (Apartheid)! Presentemente transferi esse ódio de estimação para o Cymermam (Israel) que me parece ser convenientemente "alimentado" com "caixas jornalísticas" para em momentos cruciais difundir desinformação!