2011-12-06
Europa a 2(7) ?
2011-09-02
2011-08-30
Solidariedade...mas só de alguns
Nas últimas semanas muito se tem escrito sobre a possibilidade de os "ricos" do mundo contribuírem mais para assim ajudarem os seus países a combater a crise económico-financeira com que se deparam, tentando aliviar as classes média e baixa do pesado fardo. Embora uns digam que as contribuições não ajudariam assim tanto, eu digo que criariam, pelo menos, um sentimento de solidariedade e de boa vontade que poderia atenuar a latente (ou mesmo existente) crispação e confrontação social sentida um pouco por toda a Europa.
Daniel Oliveira no seu artigo "Todos Pobres" (Expresso), sintetiza magnificamente o que penso sobre os "ricos" e os "empresários" portugueses:
"Numa entrevista ao "Jornal de Negócios" o homem mais rico de Portugal explicou que era apenas "um trabalhador". E que não se considerava rico. Há quem saiba dos seus privilégios e tente, pelo menos, dar a ideia de que devolve à sociedade. Há quem saiba dos seus privilégios e até ache que os merece. E há quem viva de tal forma enfiado na sua bolha social que nem se aperceba que é um privilegiado. Infelizmente, só temos desses por cá. Portugal é um país tão pobre que até os milionários são pobres. Buffett disse há uns tempos: "Há uma luta de classes, é um facto, mas é a minha classe, a dos ricos que a conduz, e estamos em vias de a ganhar". Não em Portugal. Aqui, a pobreza é demasiado envergonhada para se revoltar e a riqueza demasiado descarada para se envergonhar."
2011-08-28
vitória gritem bem alto/pois a nós ninguém nos vence...
2011-08-26
um poema, um fado
Escada sem corrimão
É uma escada em caracol
e que não tem corrimão.
Vai a caminho do Sol
mas nunca passa do chão.
Os degraus, quanto mais altos,
mais estragados estão.
Nem sustos nem sobressaltos
servem sequer de lição.
Quem tem medo não a sobe.
Quem tem sonhos também não.
Há quem chegue a deitar fora
O lastro do coração.
Sobe-se numa corrida.
Corre-se perigos em vão.
Adivinhaste: é a vida
a escada sem corrimão.
(David Mourão Ferreira)
Ouvir o poema na voz de Camané:
2011-08-13
venham mais 5.
um varão por um talho. uma água de côco bebida ao som de total eclipse of the heart. um belo serão de aniversário. palavras sem sentido? muitas vezes este espaço também o é. venham mais 5.
2011-08-11
Cortar o Tempo
“Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança,
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar
e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação
e tudo começa outra vez, com outro número
e outra vontade de acreditar
que daqui para diante,
vai ser diferente. “
Carlos Drummond de Andrade
2011-08-09
2011-08-06
2011-07-30
Braçada
O regular e calmo espelho de água tinha sido bruscamente interrompido.
Como um partir de corda de um violino a meio de uma sinfonia, numa qualquer orquestra clássica, desafinando uma perfeita harmonia.
As gotas e respingos de água ainda tomavam o sentido ascendente numa rápida vertigem, sem sequer tomarem em consideração, que depressa
inverteriam o percurso, como se levassem à letra o sentido de Carpe Diem, aqui numa lógica de completa ausência de futuro.
Por entre a espuma ainda esbranquiçada, ele emergia lentamente à tona, sentindo que não mais poderia voltar a pisar terra firme. Pelo menos naquele momento.
Estava no oceano. Que ao contrário dos idílicos postais e cenários paradisíacos por demais conhecidos, soava-lhe um pouco escuro e mesmo frio. Porventura seria do impacto, pensou ele, ainda antes de dar a primeira braçada.
Teria preferido sair graciosamente de terra, gizando um belo mortal com dupla pirueta encorpada à retaguarda, nota 9 como raras vezes visto nos Jogos Olímpicos, algo inúmeras e frustradas vezes - e desconhecendo um verbo para "tentar a tentativa" - tentado por si, durante a sua vivência. Algo que em si despertava uma sensação de bem estar, diria quase pueril. Aquele sorriso maroto ao emergir das águas. De rato do calhau. Aquela sensação de bem estar tão difícil de descrever.
Ao invés, aquela mesma espuma esbranquiçada denunciava isso sim, uma anomia, induzindo o caos no que antes aparentava ser harmonioso.
Pequeno parênteses. Caos provém etimologicamente do do grego "χάος" ou "khaos". Mais que significar a completa desordem e confusão, Caos teria sido a primeira divindade a aparecer no Universo, a origem de primária de todos os elementos. Como uma espécie de vácuo primordial. Contrapondo a Eros, a outra força primária, mais aprimorada, geradora do princípio da vida por meio de união dos elementos, Caos equivaleria a algo mais primitivo, significando algo como corte. Cisão. Separação. Ponto parágrafo. Retornemos à história.
O vermelhão das suas costas mostrava que o impacto desta mudança tinha sido intenso e duro. O lençol de água em seu redor rapidamente agitava-se parecendo provocar, sob forma de ondas, pequenas réplicas de choque, que definhavam lentamente à medida que cada vez se afastavam dele. Como uma ruptura feita num oceano de rotina. Desenhando pequenos círculos em seu redor.
Ele não deixou de pensar nisso quando finalmente deu a primeira e lenta braçada. Como um começar de novo.
Nunca fora um nadador excepcional em águas abertas e desconhecidas. Aliás, a sua postura típica era almejar o gracioso e pueril mergulho e rapidamente voltar a terra, num perpétuo movimento, sem nunca ter que se preocupar em enfrentar o dito desconhecido.
Como um perfeito alienígena, estava em território desconhecido, algo desconfortável por não poder voltar a porto seguro.
Com uma maior cadência temporal e tentando imprimir uma certa lógica mecanicista ao exercício, deu a segunda braçada.
"Afinal até não é mau" pensou ele, tentando por esta via aplacar o receio que tinha do desconhecido, ao mesmo tempo que tentava estimular e fazer emergir o desejo de curiosidade que a situação igualmente produzia.
"libertem-se! libertem-se!"
2011-07-22
isto não é da "troika"
nota: publicado inicialmente no "nem vale a pena dizer mais nada"
2011-07-05
Pina
otherwise we are lost."
(das melhores coisas que vi este ano. mais que recomendado)
2011-07-02
A última camada de Berlim.
Prenzlauer Berg, Portas de Brandenburgo, Döner Kebab, Currywurst, Reichtag, Charlie's Checkpoint...Há toda uma Berlim para além do sector americano. Até clubes de culto. Uma peregrinação à "casa na Velha Floresta" numa Berlim surpreendentemente quente vista pelo convertido Aires Gouveia.
Berlin hat sie alle. Berlin has it all.
Leio esta frase na Kunsthaus Tacheles em Berlim. A escolha óbvia se tivesse que retratar a cidade num edifício. Ocupado após a reunificação. Ponto de experiências algo utópicas. Símbolo da contracultura que por lá se respira. Das Punk Kapital, leio noutra parede. No entanto, condenado a ser demolido para dar azo a um empreendimento de luxo, apesar de receber 1 milhão de visitantes por ano. Contraditório?
Bem vindos à cidade plástica. Jack Lang, ex-ministro da cultura francês, uma vez disse que “Paris será sempre Paris e Berlim nunca será Berlim”. Sempre em mutação.
Berlim respira cultura. 190 nacionalidades numa metrópole de 4 milhões. Cidade extensa. Barata. Criativa. De diversas realidades e contradições. Maniqueísta. A cidade libertária versus o centro de poder da Europa. Uma cidade, onde coexistiram dois países, dois sistemas antagónicos, um muro de 150km a separá-los. A Guerra-fria no seu esplendor. Um muro que, se fisicamente já quase não existe, virtualmente ainda persiste, conferindo à vibrante Berlim, uma aura especial.
Berlim descrita compara-se a algo com várias camadas, que demoram a ser descobertas. A teoria da cebola. E a camada desportiva será a mais escondida. Existe o Hertha, mas a cidade tem mais que isso.
A crónica não começa em Berlim.
Marienplatz, Munique. 11h. A meio de uma road trip com amigos. Em 2 dias, 1500km na Alemanha. De cachecol do Union ao pescoço, postura de turista-totó-que-tira-fotos-a-tudo-o-que-mexe-com-analógica-de-brincar (na revelação um rolo de viagem todo queimado…), quem me visse, poderia gracejar que tinha cometido argolada. Daí a poucas horas, o local TSV jogaria com o Union. Mas em Berlim.
7 horas, 600km e 2 multas depois - sim, aquele flash visto na chegada a Estugarda no dia anterior, não foi de uma foto de boas vindas – chegámos a Köpenick. Para um jogo da 2.Bundesliga.
Tanta excitação – nem trancámos o carro, descobrimos após o jogo – tinha todo o seu fundamento.
O 1.FC Union Berlin ou Eisern Union, sempre teve uma toada diferente. Clube de matriz operária, na ex-RDA era tido como símbolo de oposição, contrapondo ao Dínamo de Berlim, clube da tortuosa Stasi. No Stadion An der Alten Försterei os dissidentes tinham o seu escape semanal.
Nome é literal. Estádio perto da casa da Velha Floresta. Tem acessos florestais pedonais em terra batida.
Olhando a sua degradação, num clube descapitalizado, 2300 adeptos ofereceram trabalho em 2008 para a sua recuperação. Gesto de enorme amor, numa poupança estimada em 2M€.
Um oásis na era das coloridas e assépticas arenas, das SAD’s onde o adepto é tratado como um cliente passivo. Um estádio que ficou com o seu velho marcador, como gostaria que os meus Barreiros conservassem o seu.
Como no conto Hänsel und Gretel, atraídos não por doces, mas pelo cântico que ao longe ouvíamos – por entre lama, barraquinhas de salsicha e carros de compras cheios de cerveja para venda ilegal – fomos dar às bilheteiras old school do estádio. 10€ mais 1.5€ o programa do jogo.
Sepp Maier, disse uma vez desgostado que "os alemães, organizam perfeitamente um Mundial e até esmagam a equipa mais forte com igual disciplina. Mas não têm a mínima ideia de como organizar uma festa."
Com certeza não veio a Köpenick. 7ºC negativos. 14037 espectadores, uma bela moldura numa 6ªfeira às 18h. Todo o estádio a cantar continuamente - FC Union, Unsere Liebe, Unsere Mannschaft, Unser Stolz, Unser Verein, Union Berlin.
Viciante. Até para mim que não domino a língua. Numa anarquia bem berlinense, naquele festival observo de tudo - contrastando com o pobre espectáculo em campo. Alemães. Turcos. Italianas. Velhos. Jovens. Operários. Punks. Anarcas. Outros nem por isso. Cerveja. Muita cerveja. Com álcool. 2.30€ o copo de 0.5 cl. Com reembolso de 1€ na entrega do copo. Todos em pé em bancadas super compactas.
Das Kult Klub na sua plenitude. Como o afamado St. Pauli. Clubes diferentes em contracultura ao reinante e homogéneo futebol pipoca. Quase românticos. O reverso de clubes sem alma como o Hoffenheim. Sem a postura “hollywoodesca” do Bayern. A eterna discussão no futebol alemão. Um clube de, com e para a massa adepta.
Cai o intervalo. Tal como no Barnabéu, Shakira não consta da playlist. Aqui oiço Basket Case de Green Day. Sorrio. Na barraca cool do clube compro por 15€ uma t-shirt. Choque cultural. Descubro que um M alemão é maior que um português.
Recomeça o jogo. Adiamos o retorno à bancada e entramos num pequeno túnel, cujo final gradeado tem vista para o relvado. Um antigo acesso preservado. Nas paredes, lápides com nomes de pessoas que já cá não estão. Adeptos e desportistas. Que coexistem numa ligação ao que decorre no relvado. Um clube idealista que preza a memória dos seus. Gosto disso.
Atestámos novamente os copos. Afinámos gargantas no nosso alemão inexistente. Em campo o TSV cresce. Minuto 88. 0-1 para os visitantes. Ouvem-se os adeptos contrários.
Ressurge a grande altura "FC Union, Unsere Liebe (…)”
A ganhar ou a perder, os adeptos estão com a equipa. Tempo ainda para mais uma cerveja. E sair com a restante turba a cantar do estádio.
Retorno à teoria da cebola. Descubro a última camada. Se tivesse que retratar Berlim numa equipa, a mesma seria o Union.
Ich bin ein berliner.
Berlim tem mesmo tudo.
[Crónica de uma ida a um jogo entre Union Berlin vs TSV 1860 München, no decurso de uma viagem que realizei no final de Fevereiro passado (Lisboa-Barcelona-Berlim-Nuremberga-Estugarda-Munique-Berlim-Lisboa). Publicado na secção "Viagens na Minha Terra" do suplemento LiV na edição de papel do jornal I do passado dia 28 de Maio de 2011]
2011-07-01
já nem vale a pena comentar. Feliz Dia da Região.
"A partir do momento em que há casamentos gay, por que razão não pode haver pessoas que pensem a favor da independência?"
"Caracteriza-se a Demência quando, em um indivíduo que teve o desenvolvimento intelectual saudável, ocorre a perda ou diminuição da capacidade cognitiva, de forma parcial ou completa, permanente ou momentânea e esporádica. Dentre as causas potencialmente reversíveis estão disfunções metabólicas, endócrinas e hidroeletrolíticas, quadros infecciosos, déficits nutricionais e distúrbios psiquiátricos, como a depressão (pseudodemência depressiva).(...)"
via Wikipédia.
2011-06-29
é clicar, é clicar! mais um clique, para mais uma voltinha!
2011-06-28
"The European Union seems to have adopted a new rule: if a plan is not working, stick to it (...)
(...)No matter what fictions they concoct this week, the euro zone’s leaders will sooner or later face a choice between three options: massive transfers to Greece that would infuriate other Europeans; a disorderly default that destabilises markets and threatens the European project; or an orderly debt restructuring. This last option would entail a long period of external support for Greece, greater political union and a debate about the institutions Europe would then need."
23rd June, The Economist
2011-06-26
Rasgo
Intro em Lá maior. Dó menor. Dó menor. Mi menor. Mi menor. Sol menor. Sol menor. Mi maior. Mi maior. Dó maior. Dó maior.
As primeira notas de Danúbio Azul. A música que melhor define a Valsa. Ou melhor. Aquilo que a esmagadora maioria das pessoas associaria a este género musical. Até para mim, um completo leigo na matéria. Gizada do génio de Johann Strauss II. Uma pessoa de rasgo. De vida cheia de acasos e ocasos. Com glória. Com depressões e esgotamentos. De posições políticas bem vincadas. Uma pessoa bem controversa ao seu tempo.
Valsa, a erudita e ritmada valsa. De compasso binário composto. A sublime e muito nobre Valsa. Inspirada em simples danças campestres alemãs e austríacas, que provindo de contextos e meios sociais mais baixos, depressa se tornou objecto de culto entre as elites, em especial na ainda púdica Viena dos séc. XVIII e XIX. Como alguém que sobe a pulso, aqui na hierarquia dos géneros musicais.
Javier Marías, numa frase tantas vezes citada, escreveu uma vez que o "futebol é a recuperação semanal da infância". Nada mais correcto.
Numa das primeiras memórias televisivas que tenho, na saudosa RTP-Madeira, num tempo ainda jurássico com apenas um canal - que começava a meio da tarde - recordo um curto clip de vídeo. De futebol. Em slow motion. Ao som de Danúbio Azul de Strauss. Que passava nos intervalos de jogos e eventos desportivos, porventura colmatando a ausência de publicidade. Memórias de um tempos em que ainda havia espaço para estes escapes, algo que a posterior "eucaliptação" publicitária acabou por asfixiar. Adiante.
Recordo uma imagem de forte contraste e imensa luz. Um enorme relvado. No centro uma enorme sombra, sobre o meio campo, como que um religioso presságio ou profecia, introduzia elementos que nos preparavam para o milagre que iria acontecer. Como pano sonoro de fundo, a valsa de Strauss conferindo o devido sentido épico ao momento.
Convém desde já esclarecer que o termo valsa provém do alemão Walzen, que em tradução livre significa girar ou deslizar. Dar voltas.
Quartos de final do México'86. Estádio Azteca, na capital mexicana. Epicentro de um encontro que se adivinhava quente e destrutivo. Um Argentina vs Inglaterra, tal e qual o forte terramoto ocorrido no México um mês antes. O primeiro encontro entre as selecções dos dois países, desde a disputa sobre as ilhas Malvinas. Ou chamar-se-ao Falkland?
Intro em Héctor Enrique. Um toque na bola. Passa Peter Beardsley com rápido toque para outro pé. Finta de corpo e terceiro toque passando Peter Reid. Quarto toque. Quinto toque. Golpe de anca. Passa "Terry" Butcher ao sexto toque. Sétimo toque. Finta Terry" Fenwick. flexão para direita. Oitavo toque entre "Terry" Butcher e saída de Peter Shilton. Nono toque. Entrada de "Terry" Butcher. Baliza aberta. Golo.
Há 25 anos, amparada e quem sabe, abençoada por uma prévia Mão de Deus, outro momento sublime foi composto. Uma nova composição musical acabava de ser criada. Chamaram-lhe "O Golo do Século". Pelo maestro Maradona, o pobre miúdo de Vila Fiorito. O inconstante e politicamente incorrecto Maradona. Pessoa capaz do melhor e do pior. Uma pessoa cujo nome equivale quase sempre a controvérsia. Uma pessoa que sempre viveu no limite. Naquele relvado, como de uma pauta musical se tratasse, compõe um sublime momento de arte. Um rasgo de criatividade apenas possível a poucos predestinados. Aos maiores. Como Strauss. Naquele relvado, deslizando e girando por entre adversários, Maradona como que cria a sua própria escala musical entregando uma peça de arte para a posteridade.
A partir daquele momento, Futebol - sim, com F maiúsculo - equivalia àquele golo de Maradona. Fosse ali no gigante estádio Azteca, fosse no pequeno beco junto à minha casa, onde se tentava a muito custo transpor, para aquele bocado de alcatrão e cimento, toda a magia que ocorreu naquele 22 de Junho de 1986.
A partir daquele momento, aquele golo de Maradona, passou a ser algo mais que uma mera obra-prima. Se por um lado, contém todo o génio e talento que apenas está ao alcance de alguns escolhidos, por outro lado, o mesmo irrompe no humano e imperfeito Maradona. Egocêntrico até. Capaz da maior gargalhada. Capaz de verter lágrimas. Como que mostrando que há uma camada interior cheia de criatividade. Em permanente combustão. O chamado rasgo. Algo difícil de encontrar. Que no caso de Maradona se manifestou no Futebol. Daí e por tudo o que representa, ele será o maior.
OK. Temos o quase extraterrestre Messi - que nasceu um ano e dois depois deste feito. O imperturbável e pacato Messi. De quem se desconhece grandes desvairos ou incongruências. Alguém atípico. Sem o "salero" mediático que se exige aos predestinados. Embora ele seja um deles.
Que alimenta e alimenta-se do autêntico Deep Blue futebolístico que é este Barça. Algo que nem o génio do igualmente humano e imperfeito José Mourinho, parece contrariar. Mas para mim e numa típica comparação entre o El Pibe e a La Pulga faltará sempre algo mais. O tal lado imperfeito. Faltará igualmente conseguir comandar a Argentina a algo grande. Até porque aquele Nápoles não é este Barcelona. Ou fazer aquela brutalidade nuns quartos de final de um campeonato do mundo, num jogo com aquela carga emotiva contra a Inglaterra, não é o mesmo que fazer igualmente magia, numa meia final da Taça do Rei contra o Getafe. Aos que não crêem, e citando o maior "que la chupen, y que la sigan chupando". Mas estas são outras conversas que agora não interessam.
Aquele foi igualmente o dia da vingança argentina. Qualquer argentino diria que se justiça divina houvesse, a mesma teria acontecido. Ali naquele relvado. Onde se jogava mais que um simples encontro de futebol, pese os intervenientes negassem isso. Ali, Maradona, assumia o papel de marechal guiando as suas operárias tropas à conquista de um segundo título mundial. Numa equipa orgulhosamente só. Para gaúdio popular de um depauperado país. Um ligeiro e efémero conforto, na altura dura realidade argentina. Mas com toda lisura desportiva possível, sem as trapaças do ocorrido no vergonhoso Argentina'78. Digo possível, porque minutos antes, a mão de Deus fora nas palavras de Robson meramente a mão de um patife. Creio que o termo correcto foi "the hand of a rascal".
Mas por vezes "os fins justificam os meios" diria sem qualquer pejo qualquer Sun Tzu, Maquiavel, Lenine ou mesmo algum Kissinger de pacotilha. A história igualmente encobre estas falhas. Chamam-lhe realidade. E os patifes e as patifarias por vezes são necessárias. Em nome de um bem maior. Algo que é reconhecido, mesmo por idealistas convictos. Adiante.
Gostaria de ter começado estas linhas, escrevendo que tinha presenciado in loco aquele fantástico jogo e em especial aquele momento. Que tinha sido um dos 107.000 espectadores presentes naquela autêntica sagração de um mito.
Mas não.Tomei o primeiro contacto com aquele vídeo alguns anos depois. Mas pese essa distância, passou a estar na minha memória como algo que nunca mais esquecerei. Minha e de outros amigos meus. Companheiros de longas tardes de futebol, que se prolongavam até ao raiar da luz. Todos na ânsia de interpretar aquela pauta e aquela composição feita naquele dia, no estádio Azteca. A tentar imitar o inimitável. A pretender alcançar aquele patamar. Ao dito rasgo criativo. A tentar ser um Strauss. Um predestinado.
Acredito piamente que todos, temos em nós contido este rasgo. Mas a esmagadora maioria das pessoas nunca chega a descobrir ou explorar o mesmo. Imposição da rotina, sempre a rotina dirão alguns. Outros por desconhecimento da área a investir - muitos dedicam-se numa eterna busca, muitas vezes em vão. Outros ainda por pouca capacidade de motivação-barra-trabalho.
Mas esta busca, deve a meu ver, ser permanente. Não por qualquer mania ou fixação na "especialização" - algo que abomino um pouco, mas por uma questão de bem estar que daí se gera. Na alegria que se via na cara de Maradona quando tinha a bola. E já agora na de Messi - que só aí deixa cair a sua máscara de "imperturbável".
A melhor prenda que recebi este Natal foi uma placa com a dita jogada - embora o habitual par de peúgas dado pela minha tia tenha sempre um lugar especial. De uma grande revista chamada "11 Freunde". Onze amigos. Como se uma partitura tratasse. Uma Valsa. Talvez o Danúbio Azul. Que me remete para a minha infância e para aquelas tardes. Como que a recordar que todos nós temos um rasgo escondido dentro nós, à espera de ser explorado.
Poderemos não ser predestinados. Não se pretende isso. Mas essa busca deve ser explorada e incentivada. Método tentativa-erro. O rasgo existe e por vezes merece que seja conhecido. E visto. Seja em que área for. Aquela jogada, naquela quente tarde em Junho de 86 vem precisamente comprovar isso mesmo.
2011-06-18
no âmago de um 18-06.
Sim, um simples gato. Mas não um de qualquer estirpe ou comum casta. Esquivo, com o seu andar petulante como a generalidade dos felinos, este era um gato que ao invés dos seus companheiros, transparecia que nunca iria abdicar da sua liberdade pelo conforto.
Lá se encontrava ele, altivo, sob o sol abrasador, na sua jinga que tanto era sexy como arrogante, que sobre um zinco escaldante se bambaleava, como se aquele anexo inacabado e claustrofóbico de um qualquer bairro social da periferia, fosse os largos e arejados Campos Elísios ou a sempre vibrante e cosmopolita 5ª Avenida nova-iorquina.
Indiferente aos apelos do seu dono, o gato mantinha-se impávido e sereno. O dono, outrora uma pessoa outrora vibrante e cheia de vitalidade, sempre orgulhosa de ter nascido no dia 18-06 - não me perguntem porquê, pois nem o dono sabia essa resposta - agora, com a sua voz rouca, porventura a denunciar um cansaço e um desespero próprios de quem cada vez mais acreditava menos ser possível fazer poker no jogo da vida, clamava em vão pelo gato. Este mantinha-se no seu forte, na sua autêntica torre de marfim, vincando assim toda a sua independência e mostrando assim não ter quaisquer laços atados a ninguém ou a algo. Como que marcando uma posição ou statement.
Uma liberdade que esse observador secretamente desejava, ainda que conscientemente pudesse nem ter essa percepção. Ter a oportunidade de ser aquele gato, naquele zinco, naquela hora, transportando-se assim para todo aquele imaginário de liberdade e independência. Uma fuga da habitual e monótona rotina - sempre a rotina - que, como invariavelmente acontece, muitas vezes nos acaba por induzir e prender até um ponto de quase-sufoco. A generalidade das pessoas, nem se dá conta de toda esta maquinação, tão embrenhadas que estão nessas mesmas rotinas. Mas este alguém felizmente estava. E se as rotinas são muitas vezes precisas, não é à toa que com igual importância, as rupturas são necessárias. Serão assim o intervalo entre as rotinas. Como autênticos escapes. Ponto final. Muda parágrafo.
Imaginemos que o dono do gato, tinha igualmente um cão. Que como todos os canídeos era fiel e leal. Até ao tutano. Ainda que diferentes, os mais variados laços juntavam cão e gato, como que completando-se numa estranha e talvez contranatura sinergia - pelo menos aos olhos de alguns - qual yin yang. Ou neste caso como Oddie e Garfield.
Se esse alguém olhasse o cão, certamente o catalogaria de de sisudo e obtuso. Afinal de contas era reactivo. Quase pedindo desculpa por qualquer latido solto fora contexto. Um ser que respondia aos estímulos do agora frágil dono, não ousando sequer o enfrentar, ainda que secretamente por vezes assim o desejasse. Por uma questão de respeito.
Mas acreditemos, por momentos, que esta visão estava toldada pelo sufoco sentido por esse observador. Afinal de contas o cão, também teria o seu lado rebelde. Solto, como um cão na pradaria - não confundir com um cão da pradaria que na realidade é um roedor. Que se esconde em túneis. Este pelo contrário, preferia enfrentar as coisas de frente. E admirava acima de tudo frontalidade. Ainda que tendo postura diferente do gato, acabava por ser em tudo muito semelhante a este, ao mesmo tempo que o admirava, buscando inspiração neste, numa estranha e porventura disfuncional relação pupilo-mestre - isso sim nada saudável.
Mas àquela distância, comparado com o vibrante e atrevido gato, o cão na sua fidelidade e lealdade inquestionáveis, parecia um mórmon no meio de um Mardi Gras. Um Luís Filipe num plantel do Benfica. Algo tão mais ou menos. Sem o "salero" necessário. Sem a atitude sexy que sempre se quer e deseja - ainda que muitas vezes seja meramente uma miragem e uma projecção do que realmente almejávamos ser. Um ser que realmente poderia dar asas à sua imaginação. Como o observador desejava.
Compliquemos ainda mais a história. Nova linha narrativa na história - uma mais. Imaginemos que o dito dono morria. Pese tão parecidos, o elo de relação entre o gato e cão desaparecia. Após uma saída extemporânea do gato, o frágil dono tinha sucumbido.
Mayhem. Terramoto de 1755. Inferno de Dante elevado ao cubo. O mundo caia sobre a cabeça do cão como uma maçã caíra sobre a cabeça de Newton.
A analogia não é inocente. Aliás nada neste texto é. Ou talvez não. Adiante. Tudo tem um sentido. E simplesmente há coisas que porventura tinham de acontecer. Como uma básica lei da vida. Como a lei da gravidade que de tão óbvia nem a questionamos. Pese para mim seja positivo a existência de sentido crítico a leis dadas como imutáveis.
O cão numa primeira fase tudo tinha lutado para que o gato ficasse junto de si. Mas as coisas já não estariam destinadas a tal. Faltava a ligação. Ainda que céptico a esoterismos relacionados com predefinições de destino, o cão no seu interior sabia que o desejo de liberdade do gato era mais forte. E admirava e respeitava imenso isso. Assim como toda a frontalidade como a situação se desenrolou.
Como previsto, o gato esse seguiu o seu caminho. Corajoso, fez uma escolha que poucos fariam. Para gáudio do cão, que mesmo sentido, no interior não deixava de invejar a coragem e confiança mostrada. Preferiu o desconhecido ao conhecido.
O cão esse, às tantas vagabundeou um pouco por aí, como antes já o tinha feito, ele que fora recolhido pelo dono. Nada a que já não estivesse acostumado antes de conhecer o gato. Sempre tivera uma queda para o drama. Algo que a relação agora desfeita o tinha ajudado a minorar. Urgia corrigir novo desequilíbrio. Algo que um L Casei Imunitass chamado tempo iria provavelmente curar e repor. Como um lastro que após uma tormenta, ajuda lentamente a estabilizar um barco - algo que provavelmente ainda não estará realizado.
No entanto, o cão sabia que a ligação era especial. E sabia que mesmo na sua aparente deriva libertária, o gato estaria sempre ali para ele, assim como ele mesmo estaria ali para o gato. Não era à toa que gostava tanto do gato.
Algo imperceptível para a esmagadora maioria dos outros, fossem eles gatos, cães, canários, ratos, papagaios ou peixes. Era algo que apenas ele e o gato sabiam que existia. Algo que estaria sempre personificado no dia 18-06.
Regressemos ao observador-escritor de onde retirei a história inicial. Não sei que sentido daria a esta história. Aliás, não sei se sequer se revê em algum destes papéis, ele que naquela altura, naquele local, quereria ser o gato. Mas pressupondo que sim, espero que tenha conseguido sair do sufoco e que tenha abandonado as rotinas que às tantas o aprisionavam. Segundo o meu gato, prevendo que seja como o mesmo, com certeza conseguirá chegar e alcançar tudo aquilo que se propõe. Terá as qualidades inatas para tal. Não é à toa que era especial o gato. Assim como certamente terá sempre um cão, que estará sempre a velar por si. Poderá estar mais ou menos atormentado (por razões que às tantas nem se deverão ao gato), mas estará sempre a zelar pelo dito gato. Mesmo sabendo que o tempo não pode voltar atrás - na esmagadora maioria das vezes o mais acertado e sensato. Tal como a lei da gravidade que quase nunca é questionada.
Mas esse 18-06 existe e permanece. O cão agradece essa recordação, pois representa muito mais que que uma simples ligação. Chega assim ao âmago da data em questão. Assim como certamente gosta de pensar que do outro lado, o gato também sentirá o mesmo.
2011-06-17
Statement.
"Sonho de um Homem Ridículo
A partir da obra de Fiódor Dostoievski;
História escrita pelo escritor russo Fiódor Dostoiévski, em 1877, onde se trata o tema do suicídio e o desprezo pela vida.
Uma história que provoca mal-estar no espectador, tal é a leviandade com que o suicídio é encarado. A obra terá sido escrita numa altura em que suicídios em massa assolaram a cidade russa de S. Petersburgo e o resultado foi um pequeno mas denso texto de Dostoiévski que é um dos exemplos acabados da força da sua escrita.
Encenação Cátia Ribeiro
Elenco Cátia Ribeiro, Jenny Romero
Cenografia e Desenho de Luz Nuno Samora
Vídeos e sonoplastia Cátia Ribeiro e Nuno Samora
Vozes (poemas gravados) Carlos Paulo, João Mota e Marques d’Arede
Produção Direita Baixa – Associação Cultural"
mais info aqui
aganaktismenoi
"(...)This is democracy in action. The views of the unemployed and the university professor are given equal time, discussed with equal vigour and put to the vote for adoption. The outraged have reclaimed the square from commercial activities and transformed it into a real space of public interaction. The usual late-evening TV viewing time has instead become a time for being with others and discussing the common good. If democracy is the power of the "demos", in other words the rule of those who have no particular qualification for ruling, whether of wealth, power or knowledge, this is the closest we have come to democratic practice in recent European history.
Syntagma's highly articulate debates have discredited the banal mantra that most issues of public policy are too technical for ordinary people and must be left to experts. The realisation that the demos has more collective nous than any leader, a constitutive belief of the classical agora, is now returning to Athens. The outraged have shown that parliamentary democracy must be supplemented with its more direct version. It is a timely reminder as the belief in political representation is coming under pressure throughout Europe (...)"
Costas Douzinas in Guardian
2011-06-15
The Joy of Tech.
"(...)The ecosystem that encourages technological breakthroughs and their aplication does not develop in a vacuum. It requires great universities, vibrant companies that devote time and energy to research and - yes - large amounts of government funding (...)"
Fareed Zakaria in Time (June 13)
2011-06-10
dia de Portugal
Bossa Nova Joao Gilberto - Tom Jobim-Garota De... por mark-krisky
...e de Bossa Nova. Parabéns ao Rei!
2011-06-09
2011
2011-05-11
2011-05-09
Uma questão Sensini.
Ricardo Araújo Pereira in A Bola (Chama Imensa/2007)
Dentro da enorme irracionalidade que só o futebol permite, uma pessoa que goste realmente do fenómeno acaba - como qualquer outra pessoa que tenha especial apetência por outro assunto, embora permitam-me a boçalidade de não estar a ver algo mais importante que o futebol dentro desse conjunto de trivialidades permitidas [opinião nada imparcial reconheço] - neste contexto por associar bons e maus momentos, que irão sempre servir de espécie de bengala mnemónica ao longo da sua vida, constituindo autênticos marcos no percurso de vida de uma pessoa.
(exemplo ficcional)
"- Quando é que o teu filho Óscar nasceu?
- Num domingo, dia 7 de Maio de 2010.
- Dia 7 de Maio? Data não me é estranha...
- Pá, o dia em que o Benfica conquistou o último campeonato. Já viste isto?
- Pois pá, Benfica 2 Rio Ave 1. Com bis do Tacuara. Daí o nome! Fodasse que espectáculo!
(em uníssono batendo palmas)
- Tomem cuidado/que ele é perigoso/ele é o Óóóscar Tacuuuara Cardozooo//Tomem cuidado/que ele é perigoso/ele é o Óóóscar Tacuuuara Cardozooo."
Adiante. Estes autênticos milestones acabam por ser associados a fases boas e a fases más. Evocando memórias felizes ou infelizes. Ou pegando em terminologia própria, variando entre os chamados períodos com estrelinha, onde num golpe de asa e num último instante, tudo corre bem em contraponto com os períodos de blackout em que o último passe teima em não sair.
Relembramos o 1-3 em Highbury Park, o mítico 3-6 em Alvalade - num jogo em que me mantive estoicamente em frente à televisão, na minha sala esticando um (agora velhinho) cachecol do clube, acção que foi a força extra que contribuiu, pensei eu na altura, para tão desnivelado resultado - como um verdadeiro 12º jogador, estando realmente lá dentro de campo - isto frente a um dos melhores Sporting que tenho memória. Relembro igualmente o mítico e excitante 4-4 em Leverkusen. Ou o satisfação e o sorriso que expressei depois de ver o beijo de Sabry na bola ao minuto 89, numa autêntica vitória de Pirro em Alvalade, adiando por uma semana a conquista do campeonato pelo eterno rival. O prazer de estar entre mais de 100.000 pessoas no último derby com toda a imponência do velha Catedral. O ambiente vivido no 2-1 frente ao Manchester United ou o salto que dei da cadeira ao ver aquele autêntico míssil teleguiado do Simão no mítico - sim, vou cometer essa heresia - Anfield Road.
Mas nem só boas as recordações são associadas ao jogo que todos amamos. O inverso também acontece, numa esquizofrenia e num maniqueísmo tão típicos do futebol, a eterna dualidade vitória/derrota.
Nos maus momentos, o adepto - que tende a considerar muitas vezes, as façanhas ou dos desaires do seu clube preferido como uma questão de vida ou morte - encaixota essas más memórias, aqueles momentos em que infantilmente se sente como que trespassado em toda a sua honra e moral - como se uma grave devassa tivesse sido perpetuada - colocando-as num canto escondido e obscuro, bem dentro do autêntico sarcófago que é a sua memória.
Esta recordação ficará porventura imóvel e anestesiada, até que novo desaire ou novo cataclismo aconteça - sim, desenganem-se aqueles que pensam que, tal como no amor, a entrega a um clube torna-nos imunes a tudo e não dá azo a desilusões, numa espiral que direi quase perpétua. Afinal de contas, não existem equipas imbatíveis e a derrota acaba sempre por acontecer.
Há 17 anos atrás, com 11 anos, sentado no chão do quarto de um grande amigo meu [bob] - que curiosamente não é fã do jogo e até consegue ter uma visão bem equidistante do fenómeno [como é que é possível questiono-me eu] - encontrava-me a chorar a eliminação do Benfica.
Durante muitos anos, nunca mais me ocorreu isso. De facto o nosso cérebro tem o condão de nos proteger das más experiências e das más recordações. Só para dar um exemplo, ainda hoje tenho dificuldades em me recordar qual o treinador que sucedeu a Toni no comando técnico do Benfica em 94.
Recordo agora que quando o jogo acabou estava de rastos. O Parma de então, uma espécie de Villarreal ou Hoffenheim da década de 90 - típico pequeno clube de uma pequena localidade suportado por um endinheirado magnata industrial - tinha nomes como a excêntrica estrela colombiana Asprilla - o Polvo, alcunha dada pelos adeptos colombianos; o sueco Tomas Brolin, o pequeno génio louro que deslumbrou no Euro-92 e no Mundial-94, antes de um ocaso abrupto de carreira, que viria a terminar cedo aos 29 anos, dizem as más-línguas, com um problema de excesso de peso; ou ainda Gianfranco Zola, o pequeno aprendiz do Deus Maradona em Nápoles, um jogador deveras conhecido ao qual escuso de fazer grandes apresentações futebolísticas, mas fadado desde novo para grandes voos, como demonstra a particularidade extra-futebol de ter entrado quase ao acaso - em virtude de estar em Inglaterra num programa de intercâmbio de estudantes italianos durante o seu liceu - no fim do vídeo de "Total Eclipse of the Heart", o super hit de Bonnie Tyler, a Ágata americana.
O que é certo, é que naquela tarde, quem provocou um eclipse no meu coração, não foi Zola, mas sim o argentino Sensini, uma velha raposa do eixo da defesa, como a sua prolongada e titulada carreira ao mais alto nível veio a comprovar - era designado pela imprensa desportiva italiana por nonno ou avô em português - aqui na sua 5ª época em Itália, a primeira pelo Parma - então um habitué das lides europeias.
Bonomia, pode ser uma característica muito típica dos avôs, mas não foi o que Sensini não demonstrou a 15 minutos do fim. Canto da esquerda de Zola e cabeceamento para o fundo das redes de Neno. Golo. Gelei.
Sensini, que aliás até podia/pode ser pessoalmente uma jóia de pessoa - acredito que a mãe dele diga isso, tal como a minha diz isso de mim - passou naquele instante a ser um ser ignóbil e desprezível [sentimento apenas poderia ser revertido na hipotética chance de vir a envergar o manto sagrada vermelho - outra das irracionalidades do futebol é que tudo o que é verdade hoje, pode já não o ser amanhã]. Era simplesmente o ser que tinha negado o acesso aquela super equipa de 94 - onde pontuavam ídolos de infância, como Isaías, uma força da natureza, que conhecido pela taxa de eficácia de remate de 1 em 10, tentava sempre efectuar os 10 remates por jogo; o raçudo Schwarz; o sempre vibrante e irreverente João Vieira Pinto; o desconcertante Paneira ou o jovem maestro Rui Costa só para citar alguns - a oportunidade de aceder à posteridade no já enorme Olimpo benfiquista - como se os 3-6 em Alvalade nessa época já não garantissem esse lugar.
A minha Nemésis foi acordada. E Custódio foi por um dia Sensini.
2011-03-01
2011-02-21
Doin' Time
Todos membros do afamado clube dos 27. Aquele selecto clube de grandes vultos musicais que viram a sua criatividade interrompida, aos 27 anos, em mortes que tanto tiveram de trágicas como ocorreram na sua maioria em estranhas circunstâncias. Para além de terem sucumbido no auge da sua produção criativa - quase não tendo espaço ou tempo para errar (ou na gíria popular "tendo tido tempo para fazer merda"), as condições em que ocorreram as suas mortes, conferem a todos estes artistas, uma aura quase mitificadora, elevando-os ao estatuto de ícones. Ícones de gerações diferentes. Ícones que com a morte, atingiram um patamar inatacável, apagando-se ou diminuindo-se ao mínimo, qualquer falha ou crítica que se lhes pudesse apontar.
Há quem prossiga toda uma vida em busca de glória e fama. Há quem simplesmente, quem com a melhor das intenções, queira deixar uma marca. E há quem simplesmente esteja alheado de tudo isto, prosseguindo a sua habitual vida casa-trabalho-casa (quando o há), copos ao fim de semana (por vezes durante a semana), como se nada disto interessasse. Bola, reality tv e séries para alhear o pessoal.
A um dia dos 28, com os 30 ali mesmo ao virar da esquina, não deixo de pensar nisso. Não porque queira fama e glória, mas porque entendo que cabe a cada um gizar o seu próprio destino. Assim como avaliar se a sua acção tem sido compatível até agora, com o potencial/propósitos que sabe que pode atingir. E cabe a si, meramente a si, dar o impulso/contributo que ache necessário. Para atingir a sua felicidade, num instinto que em última análise será sempre egoísta, mas que o fará contribuir para o bem comum. O bem geral. Porque o ciclo virtuoso (não confundir com vicioso) de uma sociedade apenas é possível tendo em conta esta última vertente.
Sim, sou um idealista, que tem cada vez mais levado com choques de realismo (à quem lhe chame realidade) como se descargas, de um qualquer aparelho de fibrilação fossem. E não quero ser o tipo do bar. Aquele que anos depois se gaba de quase ter feito algo. Mas não fez, por uma qualquer razão que irá hiperbolizar, para desculpabilizar em definitivo (chamo-lhe camuflar), uma falta de acção que deveria ter partido de si. Também nunca gostei de rotinas. Mas a verdade é que é tão fácil cair nas mesmas. Aliás, cada vez mais me convenço que as rotinas são necessárias. Em última instância, meramente por uma questão de sanidade mental. Provavelmente a acompanhar este texto, teria que aqui estar uma música de National ou de alguma outra (muito boa) banda semelhante que falasse da angústia de uma classe média e de uma geração que cresceu cheia de expectativas, mas que neste momento se encontra apertada. Ponto parágrafo neste breve apontamento.
Retornando ao texto, durante muito tempo, pensei que Bradley Nowell, vocalista de Sublime, tinha morrido aos 27 anos de overdose de heroína. Engano meu. Morreu aos 28. Não que fosse um autor muito versado, não que Sublime seja uma banda que musicalmente seja excepcional, mas o seu contributo, a sua influência em tantas outras bandas, o seu estatuto quase icónico entre as comunidades skater e surfer entre outras (assim como a minha estima pessoal pela mesma e inexistência de referências à banda neste excelente blog), motivaram a que levassem a redigir umas breves linhas (que já não são assim tão breves quanto isso) acerca da mesma.
Sublime, para quem não conhece, é uma das bandas, que a par de Green Day (Dookie - o primeiro CD que comprei com as minhas poupanças aos 12 anos) ou Offspring (recordo com especial carinho o álbum Smash), mais contribuiu para o reavivar do punk, em termos mainstream, durante a década de 90, nos EUA. Oriundos da Califórnia do Sul, acompanhando uma explosão de bandas oriundas desse mesmo estado, ao que se convencionou chamar punk californiano, numa terceira grande onda de bandas deste género, muito ligadas à comunidade skater e surfer (em contraponto à toada mais musculada ocorrida em NY por esta altura, muito mais ligada à corrente hardcore), entre as quais destacamos NOFX, Pennywise, Lagwagon, Mad Caddies entre muitas outras.
Para além de nítidas influências do punk de bandas anteriores como Bad Religion, Black Flag ou mesmo Ramones, houve uma fusão de estilos com sonoridades Ska, Dub e Reggae e é neste contexto que bandas como No Doubt (cuja vocalista Gwen Stefani - para muitos a rainha do Ska - nasceu na mesma cidade e andou no mesmo liceu de Bradley, sendo amiga do mesmo) ou Sublime aparecem, misturando todas estas sonoridades, numa toada mais alegre e muito peace and love, drug-friendly em muitos dos casos, tornando extremamente apelativa para toda uma geração, em especial após o desaparecimento de Kurt Cobain e ao refrear de toda a onda grunge que se seguiu.
Bradley, que curiosamente nasceu a 22 de Fevereiro - igualmente meu dia de anos - junta-se aos outros dois elementos de Sublime - Bud Gaugh e Eric Wilson - e fortemente influenciado por música jamaicana, introduz elementos ska e reggae ao repertório do duo, que até aí ouvia e tocava exclusivamente punk. Após um rápido sucesso inicial local - fruto de uma fama granjeada por concertos cheios de peripécias, a banda opta por criar uma pequena editora de raiz, a Skunk Records, lançando o 40 oz. to Freedom (para mim, um dos melhores álbuns da banda a par do homónimo e já póstumo Sublime), conseguindo apenas alguma rotação e notoriedade, quando uma rádio de LA, pega num dos hinos do álbum "Date Rape" e começa a passar o single várias vezes.
Nessa altura, e como ocorreu a muitos artistas no início da década de 90, já Bradley tinha iniciado a sua relação com heroína, algo que segundo o pai se devem à necessidade de obter um escape criativo. Aliás, numa banda abertamente drug friendly, esta dependência e toda a parafernália relacionada com o tema, deram origem a muitas músicas que rapidamente se tornaram hinos como Smoke Two Joints, Pawn Shop, Garden Groove. Em maio de 1996, e a meio de uma tournée (sempre as tournées) que realizavam pela Califórnia, Bradley é encontrado morto num quarto de hotel com uma overdose de heroína.
Isto tudo ocorre, semanas depois da banda ter acabado as gravações do seu primeiro álbum já numa editora de renome, álbum que ficará com o nome da banda e que venderá 17 milhões de cópias.
O terceiro single é este Doin' Time, um tema que podemos classificar de lounge/dub, que fala da impossibilidade de mudança de vida de um homem, entre outros aspectos, usando como pano de fundo, o tema Summertime de George Gershwin da ópera "Porgy and Bess". Pretendo assim, com este (longo) texto, efectuar uma segunda homenagem. Nascido no final de séc XIX, Gershwin é simplesmente um dos mais profícuos autores/compositores musical de peças, operetas, árias, musicais etc. A sua obra é vasta e foi/tem sido vastamente usada em músicas de jazz, no teatro, em tv, e por uma multiplicidade de diferentes bandas musicais, entre as quais Sublime.
Uma banda que face à sua heterogeneidade e amplitude musical (esta música é exemplo), que face a um som que se pode classificar de alegre, marcou toda uma geração e à qual deixo aqui a minha homenagem, numa altura em que sei que irei ser um gajo mais ou menos. Resta-me apontar aos 33 anos. Creio que até lá terei tempo para preparar a fundação de uma religião ;-)
[texto produzido, no passado dia 21-02, para a rubrica "Guest Box" no (excelente) blog musical xukebox.blogspot.com. Publicado a 26-02, nesse mesmo espaço. Obrigada Mariana pelo trabalho desenvolvido com o dito blog]