Prenzlauer Berg, Portas de Brandenburgo, Döner Kebab, Currywurst, Reichtag, Charlie's Checkpoint...Há toda uma Berlim para além do sector americano. Até clubes de culto. Uma peregrinação à "casa na Velha Floresta" numa Berlim surpreendentemente quente vista pelo convertido Aires Gouveia.
Berlin hat sie alle. Berlin has it all.
Leio esta frase na Kunsthaus Tacheles em Berlim. A escolha óbvia se tivesse que retratar a cidade num edifício. Ocupado após a reunificação. Ponto de experiências algo utópicas. Símbolo da contracultura que por lá se respira. Das Punk Kapital, leio noutra parede. No entanto, condenado a ser demolido para dar azo a um empreendimento de luxo, apesar de receber 1 milhão de visitantes por ano. Contraditório?
Bem vindos à cidade plástica. Jack Lang, ex-ministro da cultura francês, uma vez disse que “Paris será sempre Paris e Berlim nunca será Berlim”. Sempre em mutação.
Berlim respira cultura. 190 nacionalidades numa metrópole de 4 milhões. Cidade extensa. Barata. Criativa. De diversas realidades e contradições. Maniqueísta. A cidade libertária versus o centro de poder da Europa. Uma cidade, onde coexistiram dois países, dois sistemas antagónicos, um muro de 150km a separá-los. A Guerra-fria no seu esplendor. Um muro que, se fisicamente já quase não existe, virtualmente ainda persiste, conferindo à vibrante Berlim, uma aura especial.
Berlim descrita compara-se a algo com várias camadas, que demoram a ser descobertas. A teoria da cebola. E a camada desportiva será a mais escondida. Existe o Hertha, mas a cidade tem mais que isso.
A crónica não começa em Berlim.
Marienplatz, Munique. 11h. A meio de uma road trip com amigos. Em 2 dias, 1500km na Alemanha. De cachecol do Union ao pescoço, postura de turista-totó-que-tira-fotos-a-tudo-o-que-mexe-com-analógica-de-brincar (na revelação um rolo de viagem todo queimado…), quem me visse, poderia gracejar que tinha cometido argolada. Daí a poucas horas, o local TSV jogaria com o Union. Mas em Berlim.
7 horas, 600km e 2 multas depois - sim, aquele flash visto na chegada a Estugarda no dia anterior, não foi de uma foto de boas vindas – chegámos a Köpenick. Para um jogo da 2.Bundesliga.
Tanta excitação – nem trancámos o carro, descobrimos após o jogo – tinha todo o seu fundamento.
O 1.FC Union Berlin ou Eisern Union, sempre teve uma toada diferente. Clube de matriz operária, na ex-RDA era tido como símbolo de oposição, contrapondo ao Dínamo de Berlim, clube da tortuosa Stasi. No Stadion An der Alten Försterei os dissidentes tinham o seu escape semanal.
Nome é literal. Estádio perto da casa da Velha Floresta. Tem acessos florestais pedonais em terra batida.
Olhando a sua degradação, num clube descapitalizado, 2300 adeptos ofereceram trabalho em 2008 para a sua recuperação. Gesto de enorme amor, numa poupança estimada em 2M€.
Um oásis na era das coloridas e assépticas arenas, das SAD’s onde o adepto é tratado como um cliente passivo. Um estádio que ficou com o seu velho marcador, como gostaria que os meus Barreiros conservassem o seu.
Como no conto Hänsel und Gretel, atraídos não por doces, mas pelo cântico que ao longe ouvíamos – por entre lama, barraquinhas de salsicha e carros de compras cheios de cerveja para venda ilegal – fomos dar às bilheteiras old school do estádio. 10€ mais 1.5€ o programa do jogo.
Sepp Maier, disse uma vez desgostado que "os alemães, organizam perfeitamente um Mundial e até esmagam a equipa mais forte com igual disciplina. Mas não têm a mínima ideia de como organizar uma festa."
Com certeza não veio a Köpenick. 7ºC negativos. 14037 espectadores, uma bela moldura numa 6ªfeira às 18h. Todo o estádio a cantar continuamente - FC Union, Unsere Liebe, Unsere Mannschaft, Unser Stolz, Unser Verein, Union Berlin.
Viciante. Até para mim que não domino a língua. Numa anarquia bem berlinense, naquele festival observo de tudo - contrastando com o pobre espectáculo em campo. Alemães. Turcos. Italianas. Velhos. Jovens. Operários. Punks. Anarcas. Outros nem por isso. Cerveja. Muita cerveja. Com álcool. 2.30€ o copo de 0.5 cl. Com reembolso de 1€ na entrega do copo. Todos em pé em bancadas super compactas.
Das Kult Klub na sua plenitude. Como o afamado St. Pauli. Clubes diferentes em contracultura ao reinante e homogéneo futebol pipoca. Quase românticos. O reverso de clubes sem alma como o Hoffenheim. Sem a postura “hollywoodesca” do Bayern. A eterna discussão no futebol alemão. Um clube de, com e para a massa adepta.
Cai o intervalo. Tal como no Barnabéu, Shakira não consta da playlist. Aqui oiço Basket Case de Green Day. Sorrio. Na barraca cool do clube compro por 15€ uma t-shirt. Choque cultural. Descubro que um M alemão é maior que um português.
Recomeça o jogo. Adiamos o retorno à bancada e entramos num pequeno túnel, cujo final gradeado tem vista para o relvado. Um antigo acesso preservado. Nas paredes, lápides com nomes de pessoas que já cá não estão. Adeptos e desportistas. Que coexistem numa ligação ao que decorre no relvado. Um clube idealista que preza a memória dos seus. Gosto disso.
Atestámos novamente os copos. Afinámos gargantas no nosso alemão inexistente. Em campo o TSV cresce. Minuto 88. 0-1 para os visitantes. Ouvem-se os adeptos contrários.
Ressurge a grande altura "FC Union, Unsere Liebe (…)”
A ganhar ou a perder, os adeptos estão com a equipa. Tempo ainda para mais uma cerveja. E sair com a restante turba a cantar do estádio.
Retorno à teoria da cebola. Descubro a última camada. Se tivesse que retratar Berlim numa equipa, a mesma seria o Union.
Ich bin ein berliner.
Berlim tem mesmo tudo.
[Crónica de uma ida a um jogo entre Union Berlin vs TSV 1860 München, no decurso de uma viagem que realizei no final de Fevereiro passado (Lisboa-Barcelona-Berlim-Nuremberga-Estugarda-Munique-Berlim-Lisboa). Publicado na secção "Viagens na Minha Terra" do suplemento LiV na edição de papel do jornal I do passado dia 28 de Maio de 2011]
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