2009-12-26

Universalização do Sistema de Saúde nos EUA e a premência de um novo New Deal


No passado dia 24 de Dezembro, a câmara alta federal dos EUA, aprovou - com maioria qualificada de 3/5 - que segundo a tradição americana, impede o protelar ou inversão de decisão por parte do órgão em questão [filibuster] - o pacote legislativo de reforma do sistema de saúde proposto por Obama.

Na realidade, esta aprovação não significa que a proposta venha já a entrar em vigor - será primeiro condensada com a proposta aprovada pela câmara dos representantes [câmara baixa, onde os democratas também dispõem de maioria], prevendo que a mesma só venha a ser aplicada apenas em 2014. Assim, e sabendo-se que este foi um dos cavalos eleitorais de batalha de Obama, a entrada em vigor de semelhante medida, será sempre vista posteriormente como umas das marcas da sua administração [prevendo-se que venha a vencer em 2012, o que não é certo].

Mas o que constitui ao certo esta reforma? Para nós europeus, pode parecer algo extremamente estranho, mas significa alargar o sistema de saúde para uma escala universal [ainda que tenham sido feitas muitas concessões ao forte lobby das empresas de seguros]. Pode parecer muito estranho, mas no actual sistema, mais de 30 milhões de pessoas viam-se privadas de qualquer tipo de cobertura médica, seja por recusa por parte de seguradoras tendo em base o historial médico, fosse pelos elevados custos que isso comportava.

Daí que esta medida, seja vista por muitos como a mais emblemática, desde o início de cobertura social iniciada e dada por Roosevelt no combate à Grande Depressão da década de 30 - o New Deal e todas as medidas anexas ao mesmo. Ou então como uma extensão do programa Medicare, criado em 1964, que basicamente instituiu protecção e cuidados de saúde a maiores de 65 anos e a pessoas incapacitadas.

Para além de proibir a recusa na atribuição de seguros de saúde, procura instituir uma real cobertura a uma vasta porção de população, que nas condições actuais, se vê privada dos mais elementares cuidados de saúde. Por outro lado, e contrariamente ao que certos detractores têm argumentado, é possível verificar que a médio-longo prazo a adopção de uma cobertura universal de cuidados de saúde, acaba por ser mais barato que a manutenção do actual sistema vigente - vide tabela de Paul Krugman [Nobel em 2008].

Este economista, tem sido aliás, um dos mais veementes defensores da aprovação desta lei, ainda que a forma final não fosse bem a idealizada. No entanto, é no entender deste reputado economista um bom passo para redução das grandes disparidades que coexistem nos EUA.

Vem um pouco na ideia veiculada, pelo mesmo na sua obra "Conscience of a Liberal" [excelente obra - com o nome do seu blog no NYTimes - que presentemente leio após comprar aqui - na Fnac custava mais 5€], onde o mesmo traça um historial económico e político dos EUA desde o fim da Guerra Civil até à actualidade. Segundo o mesmo, há uma óbvia relação entre a desregulamentação levada a cabo em especial depois do fim do período a que chamou da grande compressão [devido aos rendimentos dos mais ricos terem grandemente baixado devido a um aumento súbito de taxação fiscal por parte da entidade fiscal federal entre 40 e 60, quer ao súbito aumento de rendimentos que o americano médio passou a ter nesta época, o que levou à criação de uma grande classe média], período que findou em meados da década de 70, com a vitória da ideologia a que se designa de neoconservadora.

Com a progressiva erosão de direitos sociais, com os cortes impostos a importantes programas federais que combatiam estas desigualdades, o fosso entre os mais ricos e os mais pobres voltou a ficar extremamente grande, voltando novamente a existir os sentimentos de classe e extremando-se cada vez mais a vida política, retornando ao vivido no pré-década de 30. Daí que Krugman clame por uma espécie de novo "New Deal", algo que a crise recente veio comprovar por um lado ser necessária, quer fornecendo o cenário propício a que o mesmo seja aplicado. Segundo ao autor, mais que mera consequência das forças de mercado, foram as medidas de cariz político introduzidas nesse período que motivaram uma maior aproximação e redução do grande fosso existente entre os mais ricos e os mais pobres, contribuindo em última instância, para uma melhor paz social.

Obama, querendo deixar a sua marca e certamente querendo marcar pontos a nível interno, empenhou-se muito nesta lei, que mesmo sendo aprovada mesmo com as condicionantes que foram impostas, olhando ao status quo actual, constituirá um bom passo e uma vitória no grande combate às graves desigualdades ainda existentes.


1 comentário:

AMSF disse...

Só não passaria se as seguradoras ficassem a perder e como a coisa foi alterada de tal forma que não existirá sistema de saúde público mas de financiamento público apenas, aquelas até ficaram a ganhar...

Vai ser interessante estudar este período lá pra 2060 e descobrir que os EUA foram o único país no mundo que pode imprimir biliões e biliões na sua moeda sem qualquer consequência pois o seu indevidamente externo é feito na sua própria moeda pelo que é só imprimir sem falar no petróleo que ainda é obrigatoriamente transaccionado na sua própria moeda...99,99999% da humanidade não faz a mínima ideia das implicações disto. Em última instância os EUA drenam a economia mundial em troca de umas notas verdes a que se chama moeda (dólares). Com o tempo o défice externo vai aumentando mas desde que se consiga pagar os juros (imprimindo) consegue-se manter-se o jogo...quanto a pagar o capital?! Não interessa, é do senso comum que os Estados não entram em falência! Será!? A Guerra tem a virtude de limpar os livros de contabilidade a favor do vencedor e nos livros de contabilidade da China existem muitas, mas muitas dívidas americanas que estes tenderão no futuro limpar através da guerra!

amsf