2009-12-27

O "teste para a democracia"



imagem daqui

"Eleitores do Uzbequistão começaram a votar para eleger o Parlamento, naquilo que o Presidente Islam Karimov considerou "um teste para a democracia" desta antiga república soviética, independente desde 1991.

As mesas de voto abriram às 06:00 locais (01:00 de Lisboa) e mais de 17 milhões de eleitores poderão votar até às 20:00 locais nos 506 candidatos que se afirmam todos defensores da política do governo, na disputa dos 150 lugares no Parlamento.

Segundo a lei uzbeque, 15 lugares estão reservados aos deputados do Movimento Ecológico do Uzbequistão, criado em 2008 e integrado por militantes pró-governamentais."

in DN



Eis mais uma estranha concepção de democracia, isto sob o prisma ocidental, indicada por uma pessoa do antigo aparelho soviético que desde a independência do Uzbequistão em 1991, se tem perpetuado no poder com votações com mais de 90%, quer passando por limitações constitucionais de dois mandatos - 5 anos cada [já agora, diga-se de passagem que é uma prática comum nesta parte do globo e os déspotas vizinhos até conseguem votações mais "retumbantes"].

Isto num país situado no chamado crescente turco, em plena Ásia Central, rico em recursos naturais como ouro e urânio - economia essencialmente recolectora, com especial incidência em culturas intensivas insustentáveis como o algodão (vide desastre ecológico do mar Aral) - recortado e tendo vastas extensões de deserto, com apenas 10% de terra arável.

Fora dos radares mediáticos, eis mais um pequeno exemplo do que acontece num país que figura nos tops de países mais repressivos para com imprensa, liberdade de associação, liberdade religiosa, com constantes violações de direitos humanos, mas que por circunstâncias geopolíticas - apoio na guerra ao Afeganistão e concessão de bases aéreas para apoio de acções militares na região - é tolerado pela comunidade ocidental, fechando assim olhos à grande repressão exercida sobre a população. Uma sociedade onde mais de 45% vive com menos de 2 dólares por dia e onde o Islão radical é uma real ameaça [em parte por via de todas estas circunstâncias] devido a crescimento da corrente wahabita do Islão - fortemente financiada pela Arábia Saudita, em contraponto a uma tradição endógena mais pacífica, mística e menos radical, mais característica da região como a corrente sufista [recordo e recomendo a leitura de "Jihad - Ascensão do Islão Militante na Ásia Central" de Ahmed Rashid para melhor percepção da profundidade das mudanças].

Feito este pequeno retrato, a notícia ilustra um bom exemplo no extremo, de certa "normalidade democrática" muitas vezes prevalecente em sociedades gravemente desiguais, onde a riqueza está concentrada nas mãos de uma pequena elite que insiste em se perpetuar no poder e onde as básicas noções de protecção de opiniões divergentes simplesmente não são consideradas ou tidas em conta em prol de um suposto unamismo agregador. Faz-vos lembrar algo?

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