A última vez que acordei eram 5 da manhã e estava em Berlim. Com tudo fresco ainda proponho-me a deixar aqui a minha impressão daquela cidade.
Posso começar por dizer que a magia de Berlim está alguns níveis abaixo daquilo que se vê. Ou seja, à semelhança do Shrek e das cebolas, Berlim também é feita de camadas, onde a mais superficial é a monumentalidade e herança histórica que todos os guias fazem questão de não nos deixar esquecer. De facto é tudo monumental e histórico tudo também, com dois pratos fortes no menu: o sempiterno III Reich (quem precisa de ser lembrado?), com talvez o Bradenburg Tor como o seu máximo símbolo, e a guerra, a fria, com o seu muro de estimação (é incrível, já que neste ponto, a adoração que os milhares de bocadinhos daquela parede à venda por todo o lado nos demonstram).
Mas o creme da grande bola que é Berlim está nas pessoas da e na cidade, mais do que a cidade em si, que não demora a esgotar-se se atendermos apenas ao turístico. Nem é das cidades mais bonitas que por aí ficam. Berlim pulula de criativos, muitos subsidiados pelo seu trabalho, maternidade ou desemprego. Há por isso uma energia comunitária - de quem cria - que emana dos bairros menos centrais, com especial destaque para Kreuzberg, hoje em dia, com metade da população jovem a viver subsidiada*
Poderia deslizar suavemente em discursos sobre como tudo funciona melhor em Berlim (claro que a burocracia alemã poria um Ibérico a arfar de desespero com muita facilidade) ou como toda a gente é muito civilizada e deixa passar as bicicletas que até têm caminhos próprios (isso é bom, sim) mas deixo-me ficar pela boa-onda generalizada que se vive ali: a frase mais ouvida por mim estes dias, vindas de quem tomou como missão apresentar-me à cidade foram "isto é Berlim" e tinham invariavelmente origem nalguma excentricidade alimentada pela vontade de se sentir bem sem qualquer preocupação com a reacção alheia: dança espontânea individual num banco de jardim, uma livraria inglesa onde só por acaso se encontram os livros que se procuram e há sessões de cinema improvisado até altas horas e copos de vinho ou um buraco no chão que me juram ser a entrada de um club.
Além de tudo é Natal em Berlim e como em todos os países vizinhos não faltam os weihnachtsmarkts, mercadinhos de Natal tradicionais com barraquinhas iluminadas e luzinhas e arvorezinhas decoradinhas e vinhinho quente e homenzinhos de gengibre e knockwurst com caril e bolinhos de frutas. É quase uma outra realidade, tão típica da Europa Central e tão exótica para nós sulistas.
Foi bom, foi.
Haveria mais para contar, claro, mas parte do brilho de Berlim é aquela escavação de descoberta que nos surpreende sempre e não pode (não deve) ser descrita simplesmente. Vão lá, digo-vos (mas conheçam alguém infiltrado).
*esta informação foi-me dada por um local, portanto dêem-lhe a importância que acharem melhor.
Obrigado, Celeste Caeiro
Há 7 horas
6 comentários:
Mais um LowCost?
Não disseste a niguem: "És mesmo Berlim!!" .. :P
Sim, mais uma lowcost.
Custou-me 53€ a viagem com tudo incluido.
Co o atlântico pelo meio, meu amigo, é mais difícil partilhar as notícias hehe
Mesmo tendo em conta que o Brandenburger Tor foi aproveitado pelo regime nazi como símbolo de poder, apelidá-lo de máximo símbolo do "sempiterno III Reich" é um pouco abusivo. O coitado do monumento já lá estava há uns aninhos.
Revela porventura alguma confusão, no que às referências históricas diz respeito.
Tive oportunidade de visitar Berlim em Julho e é um pouco como dizes não é uma cidade que cative à primeira vista. O facto de não existir centro (pura e simplesmente) não ajuda - o melhor que podemos chamar de centro é realmente a Brandenburger Tor - mas depois aos poucos Berlim vai-se mostrando mais e mais interessante, essencialmente, e como tu referes e bem, por causa dos contrastes : a berlim de leste, soviética, pragmática contra a berlim ocidental vanguardista e moderna. Existe também realmente uma diversidade assinalável de pessoas e estilos que convivem sem preconceitos nem pretenciosismos lado a lado num espírito livre, relaxado e aberto (mormente nos boémios distritos de Kreuzberg e de Friedrichshain, onde se refugiaram historicamente os artistas)
Às vezes parece-me que o que faltava aos portugueses era terem passado por uma guerra mundial na 1ª pessoa e terem locais onde se pudessem relembrar de tudo o que passaram como o Checkpoint Charlie ou os (poucos) locais onde existe o muro original e voltarem à vida normal com os seus problemas quotidianos já em perspectiva.
ich bin ein berliner
João Alexandre, permita-me primeiro que me defenda atrás de um "talvez" que atirei na mesma frase em que refiro o Brandenburger Tor. Contudo mantenho a opinião, já que na Berlim arquitectónica aquela é a imagem mais associada ao pavoneio Nazi. Não me passou pela cabeça que teria sido construido nessa altura (confessando claro muito pouco conhecimento sobre a sua origem, falha entretanto colmatada), o que naturalmente não invalida a sua transformação em símbolo do III Reich. A própria suástica, coitada, acabou por cair nesse destino, quando já andava por cá há alguns milhares de anos até a simbolizar coisas boas (e claro, nem ousaria comparar o pórtico à cruz no que toca a força simbólica nazi, já que o primeiro se associa a um nível puramente imagético).
há que por o destino na "to do list"
..porventura no interrail que te recusas a fazer comigo...eheh
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