2011-07-30

Braçada


imagem roubada daqui




O regular e calmo espelho de água tinha sido bruscamente interrompido.
Como um partir de corda de um violino a meio de uma sinfonia, numa qualquer orquestra clássica, desafinando uma perfeita harmonia.
As gotas e respingos de água ainda tomavam o sentido ascendente numa rápida vertigem, sem sequer tomarem em consideração, que depressa
inverteriam o percurso, como se levassem à letra o sentido de Carpe Diem, aqui numa lógica de completa ausência de futuro.

Por entre a espuma ainda esbranquiçada, ele emergia lentamente à tona, sentindo que não mais poderia voltar a pisar terra firme. Pelo menos naquele momento.

Estava no oceano. Que ao contrário dos idílicos postais e cenários paradisíacos por demais conhecidos, soava-lhe um pouco escuro e mesmo frio. Porventura seria do impacto, pensou ele, ainda antes de dar a primeira braçada.

Teria preferido sair graciosamente de terra, gizando um belo mortal com dupla pirueta encorpada à retaguarda, nota 9 como raras vezes visto nos Jogos Olímpicos, algo inúmeras e frustradas vezes - e desconhecendo um verbo para "tentar a tentativa" - tentado por si, durante a sua vivência. Algo que em si despertava uma sensação de bem estar, diria quase pueril. Aquele sorriso maroto ao emergir das águas. De rato do calhau. Aquela sensação de bem estar tão difícil de descrever.

Ao invés, aquela mesma espuma esbranquiçada denunciava isso sim, uma anomia, induzindo o caos no que antes aparentava ser harmonioso.

Pequeno parênteses. Caos provém etimologicamente do do grego "χάος" ou "khaos". Mais que significar a completa desordem e confusão, Caos teria sido a primeira divindade a aparecer no Universo, a origem de primária de todos os elementos. Como uma espécie de vácuo primordial. Contrapondo a Eros, a outra força primária, mais aprimorada, geradora do princípio da vida por meio de união dos elementos, Caos equivaleria a algo mais primitivo, significando algo como corte. Cisão. Separação. Ponto parágrafo. Retornemos à história.

O vermelhão das suas costas mostrava que o impacto desta mudança tinha sido intenso e duro. O lençol de água em seu redor rapidamente agitava-se parecendo provocar, sob forma de ondas, pequenas réplicas de choque, que definhavam lentamente à medida que cada vez se afastavam dele. Como uma ruptura feita num oceano de rotina. Desenhando pequenos círculos em seu redor.

Ele não deixou de pensar nisso quando finalmente deu a primeira e lenta braçada. Como um começar de novo.

Nunca fora um nadador excepcional em águas abertas e desconhecidas. Aliás, a sua postura típica era almejar o gracioso e pueril mergulho e rapidamente voltar a terra, num perpétuo movimento, sem nunca ter que se preocupar em enfrentar o dito desconhecido.

Como um perfeito alienígena, estava em território desconhecido, algo desconfortável por não poder voltar a porto seguro.

Com uma maior cadência temporal e tentando imprimir uma certa lógica mecanicista ao exercício, deu a segunda braçada.

"Afinal até não é mau" pensou ele, tentando por esta via aplacar o receio que tinha do desconhecido, ao mesmo tempo que tentava estimular e fazer emergir o desejo de curiosidade que a situação igualmente produzia.

"libertem-se! libertem-se!"

o teatro liberta-se do palco e das regras. é - quase sempre - assim com o'Bando. são muitas personagens e acção. e acção. e acção. a música é ofegante, empolgante e ansiosa. a peça, um quadro vivo.
no pino do verão o cenário é 3d e o público - pouco habituado a estas coisas, e que decididamente ainda não é o das comédias do minho - liberta-se dos seus hábitos e costumes mais enraizados. participa, ouve eugénio de andrade, escuta música pouco convencional e pensa... sobre este cenário. que já lhe foi mais familiar e de repente se tornou tão frio e desconhecido. e não é da nortada nem da falta da manta.
e depois há o incauto velho da vila, que se surpreende quando a montanha se ilumina. e há o cão inesperado que rouba risos à plateia e luz aos actores. jerusalém? há o verso de eugénio. provocantemente poético. e há um palco múltiplo a exigir o melhor do greenway que cada um traz consigo.e hoje trememos de susto com o sol sustenido da lírica ou desejamos calorosamente a fartura gulosa. e acabamos vendo mais do que se vê naquele escuro. e não é da lanterna.
o som cresce. intensifica. no pó solto daqueles pés irrequietos, ali, bem no alto do castelo, vejo: "um israelita e um palestino juntos" e sei que não é chromeo, nem "o julgamento dos povos emancipados" feitos diabretes. é a natureza morta feita retrato de cor, som e palavra. é eugénio de andrade por joão brites ou a realidade islandesa que podia ser nossa. é a liberdade numa noite de fim de julho. e não fico sentado. e não é da falta do banco.
no pino do verão é isto. assim. é assim todos os anos. é assim para todos. é assim como que um pedido: "libertem-se".

pino do verão 2010

2011-07-22

isto não é da "troika"

passado
um terço dos deputados tinha assento em empresas do estado, propondo posteriormente leis que as favoreciam. os gestores portugueses são dos menos qualificados na OCDE. os gestores que apresentaram gestões evidentemente danosas nunca foram responsabilizados pelas suas acções. portugal gasta em educação mais do que a média europeia e apresenta os piores resultados.a economia paralela encontra-se em crescendo. o «povo» habitou-se facilmente aos direitos adquiridos mas nunca aos deveres necessários. o «povo» aceitou ser chamado «povo», apesar da evidente estratificação que isso significa.
o passado é o nosso presente.


presente
o governo baixou as indemnizações em caso de despedimento. o governo vai cortar até 50% nos subsídios de natal (mesmo para os que não o recebem). o governo quer aumentar 15% nas tarifas de bordo e passes sociais dos transportes.o governo desiste das golden shares. o governo fecha as escolas que achava que não deviam fechar há três meses. o governo prepara-se para alienar património a preço de revenda. o governo privatizará apenas os organismos que dão lucro. o governo nomeia toda uma nova administração para a CGD (de profunda confiança política) e mantém em funções o anterior presidente. o governo não cobra nenhum imposto especial sobre a banca. o governo... 
o presente arruína o nosso futuro.

futuro
ser ou não ser pessimista? a europa está em crise. faltam figuras de referência. faltam valores. falta europeístas. e, contudo, nunca fomos tão europeus como hoje. os jovens viajam, estudam, trabalham por toda a europa. acreditam nela. e os políticos? a política que temos é o triste resultado de um jogo que perdemos por falta de comparência. os «maus» apenas ganharam porque ninguém vai a jogo. todos os jovens descem a avenida da liberdade, fazem acampamentos e são contras as provas globais da nossa vida, mas nunca fazem política. a nobre política perdeu-se, e apenas sobram os reles interesseiros das juventudes partidárias. e compensa? claro. nem que tenham que passar pela presidência d'os belenenses para fazer tempo.
e hoje vejo que não houve passado. foram muitos anos de ditadura. demasiados. mas ninguém saiu deles. os portugueses continuaram presos à ditadura, nem que seja a da posse, a do querer mais, a do sonho de ter um trabalho para a vida, casar, comprar casa, ter 2,1 filhos. todos provincianos. como salazar quereria. e muitos dos jovens, aqueles que são dos mais qualificados que portugal já teve, continuam a querer o mesmo. o mesmo que os pais: um trabalho das 9 às 5 e um fim de semana no colombo.
o caminho não é a rua. nem a revolução. nem mesmo a falência de países, partidos ou sistemas económicos. uma das soluções passa pela acção de todos: nas eleições, nos orçamentos participativos, no apoio ao próximo, quer seja colega ou estranho. e passa por menos cigarros, cafés e pausas para conversar. chega de conversa. é hora de trabalhar a 100%. de confiar. de acreditar. e, ao mesmo tempo, julgar nos órgãos competentes os que falharam; de políticos, a gestores, de serventes a policias ou juízes. sem sangue. sem guerra. nem violência. é hora, portugal. e a  nossa acção não pode depender do que vai ser o pior governo desde o 25 de abril. o ultraliberalismo económico vai atingir níveis nunca antes vistos. porquê? porque vai ser possível comprar mais por menos. porque em portugal há bons produtos. porque é possível fazer dinheiro com portugal. e todos o sabem.

tudo isto é apenas mais um desabafo. daqueles que surgem da revolta de quem não atira a primeira pedra. eu sei que nada vai mudar amanhã. sei que vão continuar a despedir ou diminuir ordenados por email, vão dispensar os assistentes, os empregados mais frágeis, sem perceber que não são aqueles 450 ou 600 euros que dão cabo da empresa. que as empresas são é muitas vezes mal geridas. não me custa ver um mexia a ganhar muito se ele for mesmo bom. porque também pagará impostos sobre esse valor. mas custa ver o empresário que ganha o "ordenado mínimo", e o que mata um pais é a distribuição injusta e desequilibrada das injustiças e esforços. a banca tem que pagar. os maus gestores, médicos ou advogados têm que pagar. os bons têm que ser premiados. isto é apenas mais um desabafo. eu sei que nada vai mudar...
porque o futuro não chegará amanhã.

nota: publicado inicialmente no "nem vale a pena dizer mais nada"

2011-07-05

Pina




"Dance, Dance...
otherwise we are lost."


(das melhores coisas que vi este ano. mais que recomendado)



2011-07-02

A última camada de Berlim.


Prenzlauer Berg, Portas de Brandenburgo, Döner Kebab, Currywurst, Reichtag, Charlie's Checkpoint...Há toda uma Berlim para além do sector americano. Até clubes de culto. Uma peregrinação à "casa na Velha Floresta" numa Berlim surpreendentemente quente vista pelo convertido Aires Gouveia.


Berlin hat sie alle. Berlin has it all.

Leio esta frase na Kunsthaus Tacheles em Berlim. A escolha óbvia se tivesse que retratar a cidade num edifício. Ocupado após a reunificação. Ponto de experiências algo utópicas. Símbolo da contracultura que por lá se respira. Das Punk Kapital, leio noutra parede. No entanto, condenado a ser demolido para dar azo a um empreendimento de luxo, apesar de receber 1 milhão de visitantes por ano. Contraditório?

Bem vindos à cidade plástica. Jack Lang, ex-ministro da cultura francês, uma vez disse que “Paris será sempre Paris e Berlim nunca será Berlim”. Sempre em mutação.

Berlim respira cultura. 190 nacionalidades numa metrópole de 4 milhões. Cidade extensa. Barata. Criativa. De diversas realidades e contradições. Maniqueísta. A cidade libertária versus o centro de poder da Europa. Uma cidade, onde coexistiram dois países, dois sistemas antagónicos, um muro de 150km a separá-los. A Guerra-fria no seu esplendor. Um muro que, se fisicamente já quase não existe, virtualmente ainda persiste, conferindo à vibrante Berlim, uma aura especial.

Berlim descrita compara-se a algo com várias camadas, que demoram a ser descobertas. A teoria da cebola. E a camada desportiva será a mais escondida. Existe o Hertha, mas a cidade tem mais que isso.

A crónica não começa em Berlim.

Marienplatz, Munique. 11h. A meio de uma road trip com amigos. Em 2 dias, 1500km na Alemanha. De cachecol do Union ao pescoço, postura de turista-totó-que-tira-fotos-a-tudo-o-que-mexe-com-analógica-de-brincar (na revelação um rolo de viagem todo queimado…), quem me visse, poderia gracejar que tinha cometido argolada. Daí a poucas horas, o local TSV jogaria com o Union. Mas em Berlim.

7 horas, 600km e 2 multas depois - sim, aquele flash visto na chegada a Estugarda no dia anterior, não foi de uma foto de boas vindas – chegámos a Köpenick. Para um jogo da 2.Bundesliga.

Tanta excitação – nem trancámos o carro, descobrimos após o jogo – tinha todo o seu fundamento.

O 1.FC Union Berlin ou Eisern Union, sempre teve uma toada diferente. Clube de matriz operária, na ex-RDA era tido como símbolo de oposição, contrapondo ao Dínamo de Berlim, clube da tortuosa Stasi. No Stadion An der Alten Försterei os dissidentes tinham o seu escape semanal.

Nome é literal. Estádio perto da casa da Velha Floresta. Tem acessos florestais pedonais em terra batida.

Olhando a sua degradação, num clube descapitalizado, 2300 adeptos ofereceram trabalho em 2008 para a sua recuperação. Gesto de enorme amor, numa poupança estimada em 2M€.

Um oásis na era das coloridas e assépticas arenas, das SAD’s onde o adepto é tratado como um cliente passivo. Um estádio que ficou com o seu velho marcador, como gostaria que os meus Barreiros conservassem o seu.

Como no conto Hänsel und Gretel, atraídos não por doces, mas pelo cântico que ao longe ouvíamos – por entre lama, barraquinhas de salsicha e carros de compras cheios de cerveja para venda ilegal – fomos dar às bilheteiras old school do estádio. 10€ mais 1.5€ o programa do jogo.

Sepp Maier, disse uma vez desgostado que "os alemães, organizam perfeitamente um Mundial e até esmagam a equipa mais forte com igual disciplina. Mas não têm a mínima ideia de como organizar uma festa."

Com certeza não veio a Köpenick. 7ºC negativos. 14037‎ espectadores, uma bela moldura numa 6ªfeira às 18h. Todo o estádio a cantar continuamente - FC Union, Unsere Liebe, Unsere Mannschaft, Unser Stolz, Unser Verein, Union Berlin.

Viciante. Até para mim que não domino a língua. Numa anarquia bem berlinense, naquele festival observo de tudo - contrastando com o pobre espectáculo em campo. Alemães. Turcos. Italianas. Velhos. Jovens. Operários. Punks. Anarcas. Outros nem por isso. Cerveja. Muita cerveja. Com álcool. 2.30€ o copo de 0.5 cl. Com reembolso de 1€ na entrega do copo. Todos em pé em bancadas super compactas.

Das Kult Klub na sua plenitude. Como o afamado St. Pauli. Clubes diferentes em contracultura ao reinante e homogéneo futebol pipoca. Quase românticos. O reverso de clubes sem alma como o Hoffenheim. Sem a postura “hollywoodesca” do Bayern. A eterna discussão no futebol alemão. Um clube de, com e para a massa adepta.

Cai o intervalo. Tal como no Barnabéu, Shakira não consta da playlist. Aqui oiço Basket Case de Green Day. Sorrio. Na barraca cool do clube compro por 15€ uma t-shirt. Choque cultural. Descubro que um M alemão é maior que um português.

Recomeça o jogo. Adiamos o retorno à bancada e entramos num pequeno túnel, cujo final gradeado tem vista para o relvado. Um antigo acesso preservado. Nas paredes, lápides com nomes de pessoas que já cá não estão. Adeptos e desportistas. Que coexistem numa ligação ao que decorre no relvado. Um clube idealista que preza a memória dos seus. Gosto disso.

Atestámos novamente os copos. Afinámos gargantas no nosso alemão inexistente. Em campo o TSV cresce. Minuto 88. 0-1 para os visitantes. Ouvem-se os adeptos contrários.

Ressurge a grande altura "FC Union, Unsere Liebe (…)”
A ganhar ou a perder, os adeptos estão com a equipa. Tempo ainda para mais uma cerveja. E sair com a restante turba a cantar do estádio.

Retorno à teoria da cebola. Descubro a última camada. Se tivesse que retratar Berlim numa equipa, a mesma seria o Union.

Ich bin ein berliner.

Berlim tem mesmo tudo.


[Crónica de uma ida a um jogo entre Union Berlin vs TSV 1860 München, no decurso de uma viagem que realizei no final de Fevereiro passado (Lisboa-Barcelona-Berlim-Nuremberga-Estugarda-Munique-Berlim-Lisboa). Publicado na secção "Viagens na Minha Terra" do suplemento LiV na edição de papel do jornal I do passado dia 28 de Maio de 2011]

2011-07-01

já nem vale a pena comentar. Feliz Dia da Região.


Curral das Freiras - foto roubada daqui



"A partir do momento em que há casamentos gay, por que razão não pode haver pessoas que pensem a favor da independência?"

"Caracteriza-se a Demência quando, em um indivíduo que teve o desenvolvimento intelectual saudável, ocorre a perda ou diminuição da capacidade cognitiva, de forma parcial ou completa, permanente ou momentânea e esporádica. Dentre as causas potencialmente reversíveis estão disfunções metabólicas, endócrinas e hidroeletrolíticas, quadros infecciosos, déficits nutricionais e distúrbios psiquiátricos, como a depressão (pseudodemência depressiva).(...)"


via Wikipédia.