Estou neste momento no campo humanitário improvisado na fronteira entre a República Dominicana e o Haiti. Chegámos ontem no corredor humanitário que se estabeleceu de Santo Domingo aqui e não nos deixaram avançar por ser de noite.
A confusão era visível. Era preciso passar a noite aqui e perceber o que se vai fazer depois. Ouve-se a noticia que mataram dois cooperantes no caminho de Port-au-Prince até à fronteira e atacaram mais dois com catanas. As noticias são confusas. Mesmo nestes cenários vão-se acrescentando pontos à história. Afinal foi ontem. Ontem morreram 4 dominicanos que não vinham escoltados e hoje dois cooperantes foram baleados.
Há sempre pessoas que morrem. É difícil aceitar porque é que acontece, mesmo quando sabemos que se está a fazer o possível para garantir a segurança de todos. No entanto, olhando a nossa volta, tudo fica tão relativo, até estas situações onde a ajuda é um alvo.
O cenário é sempre exagerado, e o que passa para quem está longe é o que uma câmara ou um fotografo (que são às centenas!) captam mas a verdade é que a partida ficou planeada para hoje às 8h da manhã, com a supervisão da MINUSTAH até à capital, por motivos de segurança. Tudo o resto é desaconselhado - não há heróis e a irresponsabilidade de andar sozinho por zonas que não se conhecem, pode originar fatalidades, como foi o caso. Priorizaram as equipas de resgate e as outras irão, como nós, por volta das 14h30 daqui. Chegaremos a tempo de receber a equipa que espera autorização para aterrar no aeroporto e começar, já e finalmente, a montar o campo de deslocados com assistência médica.
A zona zero da capital é onde estão os capacetes azuis e que garantem a protecção dos campos humanitários. A questão que se põe não é a violência que se vive - é preciso ter em conta que o Haiti era um país instável antes do terramoto -, mas o que o desespero está a causar: não há água e com todos estes atrasos a ajuda chega a conta gotas. O aeroporto está lotado, as estradas têm os seus horários e tudo isso leva a que a população não consiga ser atendida com a celeridade que é necessária.
Mas pode-se trabalhar a todos os níveis, ninguém está parado. Sinal disso é que estou na minha tenda, no meio de um descampado de terra batida com wifi. Muitos podem perguntar qual a necessidade de ter pessoas que, à primeira vista, não são técnicos de saúde, ou de água ou de refugio. A resposta, para mim, é clara. Porque para que esses possam apenas dedicar-se ao que vieram, é necessário coordenar tudo entre as centenas de actores que se encontram aqui e essa é uma das grandes dificuldades: estabelecer uma ordem no caos. Trabalhar por conta própria leva a mal entendidos, a situações de duplicação de esforços e leva, acima de tudo, a desconhecimento da situação.
O hospital não tem mãos a medir. Muitos dos feridos estão a ser transferidos para os hospitais dominicanos e é impressionante ver lutar contra o tempo nestas situações.
Nem vale a pena pensar no "e depois da catástrofe?", porque, neste momento, estamos ainda a tentar estabilizar e garantir uma resposta eficiente e coordenada. Mas muitos sabemos que depois de um mês, aí sim se poderá perceber quem veio para ficar.