2009-05-07

Muito mais que um simples hamburger...


Que cada vez mais exista uma parte cénica associada à política, sendo esta deveras importante, todos nós já sabíamos. Que a campanha de Obama mostrou muita criatividade e desbravou caminho a muitas tecnicas em "marketing" eleitoral, utilizando por exemplo com muito proveito as novas tecnologias, também era algo que tinha sido constatado.

Agora, numa altura em que com a recessão, é necessário incutir confiança e segurança à população, a sucessão de mensagens sublimes que uma aparente e casual paragem numa casa de hamburgers, pode possuir é algo extremamente interessante. E nisto Obama e a sua equipa têm se revelado mestres. Ainda que escreva com base em suposições, façamos portanto um pequeno exercício de dissecação dos factos.

O simples facto de ter sido escolhido uma pequena casa de hamburgueres e não uma grande cadeia do género certamente não se deveu a uma questão casual, geográfica ou de gosto. Obama pretendeu assim dar um sinal de confiança aos pequenos comerciantes e gestores de pequenos negócios, precisamente aqueles que mais têm sentido esta crise. Por outro lado, para os eleitor comum, Obama passa a imagem de um homem americano comum e mundano. Um homem perfeitamente normal que tem as mesmas preocupações e deveres. Podemos ainda acrescentar que ao preferir uma pequena casa de hamburger a uma grande cadeia, Obama consegue se precaver contra alguma conotação negativa que essas empresas têm na opinião pública (ou evitar a óbvia colagem publicitária que seria feita). Além disso mostra que prefere as pessoas às grandes corporações, demarcando-se da anterior administração.

Ao aguardar na fila, para além de querer descer do pedestal em que é colocado pelo cargo que ocupa, Obama passa uma mensagem aos cidadãos que podemos interpretar de calma e paciência.

Ao querer pagar e ao renegar quaisquer benefícios advindos do facto de ser quem é, Obama para além de passar a mensagem de confiança, passa uma mensagem de incentivo e estímulo à economia, afinal algo que não abunda muito nos dias que correm. O Presidente mostra ao seu eleitorado que é um deles e está disposto a fazer os mesmos sacrifícios que o comum americano.

Mais rebuscado, mas igualmente muito interessante, foi o "!Hola!" que lançou à empregada de origem hispânica que trabalhava no dito local. Não é à toa que este grupo étnico se tem assumido cada vez mais importante para os candidatos e para os políticos nos EUA. Com uma quota actual de 11% de hispânicos, estima-se que em 2025, este grupo representará cerca de o dobro. Daí a premência da discussão nos EUA em tornar ou não oficial o espanhol. Tendo tido o forte apoio da maioria hispânica, o Presidente pretendeu assim com este pequeno gesto, incluir a mesma tornando a parte de um todo assim como demostrar o seu agradecimento.

Nota final para uma imagem que consegui ver na peça da rtp sobre o assunto. O facto de Biden e Obama levarem os sacos de hamburgers para o restante staff. Isto vem novamente passar a ideia da necessidade de meter mãos à obra, sendo isto extensível do mero cidadão ao presidente.

Obama ainda está em estado de graça. Aliás, não obstante os importantes passos tomados, a cena final com a euforia da população perante a sua presença é sintomática dessa aprovação.

Olhando agora à repercussão que esta notícias teve, creio que não é descabido pensar que afinal, esta visita pode não ter sido tão casual como isso. Ao fim de contas acaba por ser apenas uma reciclagem de velhas técnicas astutas de indução sublime de mensagens em política. E se há pessoa que tem tido o dom de efectuar as mesmas com exactidão, essa pessoa tem sido Obama.

post scriptum: Não é de admirar que outros líderes políticos com funções governativas, comecem a ser "apanhados" em situações casuais, mostrando uma faceta de cidadão comum, mostrando uma ligação intrínseca ao eleitorado e população.

2 comentários:

DK disse...

é bastante plausível que tenha feito parte duma encenação e a análise tá objectiva e bem escrita mas ele apesar de ainda ser muito popular, já não se encontra em estado de graça, muito por culpa da falta de concretização do discurso de mudança em acção efectiva. existe um desnível entre o tipo de atitude que foi pregada e a que está a ser practicada.

Ainda anda a apalpar terreno em muitas áreas, para tomar real pulso aos problemas, tal como lhe compete, mas os americanos, e particularmente aqueles que votaram no borderline da decisão e cujo crédito de paciência é limitado, estão-se a precipitar em catalogá-lo como "outro igual".

Dito isto ele já cometeu dois ou três erros, e se diplomaticamente é magnético (individualmente), o mesmo não se pode dizer de toda a estratégia de política externa da administração, dúbia e contraditória, onde um mão se extende e a outra segura a faca (mormente nos casos da rússia e irão).

A falta de assertividade com israel é também desapontante mas seguramente terá a sua justificação estratégica no complicado jogo dos balanços geopolíticos mundiais no facto de serem o único verdadeiro aliado dos estados unidos na região.

as técnicas de tortura em guantanamo deveriam ser tornadas públicas algum dia, mas o timing foi desnecessário, por mais que se digam que já eram conhecidas, é drasticamente diferente ser oficialmente admitido pelo governo do país... numa altura em que o povo americano se reunia em torno dum ícone e duma causa, eis que é jogada para cima da mesa uma espécie de agent provocateur na cisão ideológica e cultural americana. e começa tudo a se dividir e a polarizar outra vez.

il _messaggero disse...

Dou o braço a torcer pois reconheço que não estou por dentro do que o americano médio pensa dele. A ideia que passa é que há efectivamente ainda um clima de lua de mel, ainda que condicionado pela grave crise que atingiu de forma profunda os EUA.

Curioso é que este fait diver aparece um dia depois de Obama ter afrontado pela primeira vez as grandes empresas. Daí que seja crível que a escolha de uma pequena casa de hamburguers tenha sido ocasional.

Se em termos de política interna, a acção estará ainda distante do esperado - e refirase que as expectativas eram bem altas - em termos de política externa tenho para comigo que as acções empreendidas até estão dentro do esperado. Aliás atendendo à herança que recebeu, até esperava bem menos.

O capital de confiança que os EUA inspiram no mundo está em valores anormalmente baixos. Não é à toa que o resultado de um estudo global conduzido em algumas dezenas de países espalhados pelos 5 continentes tivesse indicado uma tão baixo nível de aceitação dos EUA como uma potência benigna. Aliás, creio que só dois países do Sudeste Asiático, Israel por motivos óbvios, tinham opinião contrária.

O unilateralismo da administração Bush foi muito nocivo nesse aspecto. O constante quebrar de acordos, a teoria preventiva feita ao arrepio do Direito Internacional ou o simples renegar de velhos aliados menosprezando-os ou não dialogando a aprtir de bases iguais, é uma herança que demorará muito a ser ultrapassada.

O mundo hoje está mais polarizado e pese os EUA disponham de efectivo hard power (vantagem militar, científica, variantes demográficas favoráveis a longo prazo, etc.), os últimos anos mostraram que os EUA não podem, nem conseguem de todo actuar sozinhos. Daí as estratégias de diálogo que foram lançadas. O encerramento de Guantanámo não pode ser feito assim do nada. Que fazer com prisioneiros que no seu país serão considerados apátrias. Ou traidores.

Ou o sempre sensível conflito israelo-árabe. Os EUA não podem continuar a lavar as mãos ou a falhar constantemente como tem sido norma, em nome de amizades ou prssões de lobbies. Mas tudo isto leva imenso tempo a se alterar. E sim, os jogos geopolíticos são sempre temáticas muito sensíveis e bem passíveis de se alterar passados poucos anos. Veja-se o caso do Iraque nos anos 80 e o Iraque nos anos 90...